No outono de 2022, centenas de novos estudantes universitários iniciarão as aulas, nos diversos cursos de Direito espalhados pelo país. Muitos perguntarão o que devem esperar da universidade.
Para além da continuação do seu desenvolvimento integral, que os habilite a serem cidadãos ativos, que façam a diferença na sua intervenção em sociedade, costumo dizer que a licenciatura em Direito deve habilitá-los a responder aos desafios que se colocam a qualquer jurista.
Desafios clássicos como os da competência técnica, da aptidão comunicacional ou da prática forense. E desafios mais recentes como os da especialização, da internacionalização, da interdisciplinaridade e da digitalização. As faculdades de Direito têm de ser capazes de, durante os 4 anos da licenciatura, eventualmente complementados por cerca de 2 anos de mestrado, fornecer aos estudantes os instrumentos que lhes permitam enfrentar com sucesso estes desafios.
Mas há um outro desafio, de que se fala menos, e que tem que ver com a capacidade de desenvolver relações baseadas no respeito mútuo. O mundo do Direito é visto como um mundo de confronto, embora ritualizado: os advogados representam clientes que se encontram em litígio (e que esperam combatividade na defesa dos seus interesses), os magistrados do Ministério Público acusam, os juízes decidem com autoridade. A cobertura mediática dos processos, ao mesmo tempo que chama a atenção para as falhas do sistema de justiça, contribui para hiperbolizar esta visão conflitual da Justiça.
É preciso uma diferente mundividência entre professores e estudantes, que os assuma como colaboradores na relação de aprendizagem. Em que cada estudante seja visto como pessoa – e não como número -, merecedor de cuidado e respeito
Sem negar esta dimensão, a verdade é que a mesma pode levar a que se encare o outro como adversário, quando o outro pode ser parceiro na resolução do problema comum. É caso para repetir o adágio clássico da advocacia de que “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”.
Ora, as faculdades de Direito podem e devem contribuir para esta visão do interlocutor, qualquer que seja o cenário em que a interação ocorra, como potencial parceiro. Seja valorizando a formação nas vertentes não judiciais de resolução de litígios, como a negociação ou a mediação. Seja por uma formação ética e pela acentuação do Direito e da Justiça como fins em si, e não como armas de arremesso. Seja, e começando desde logo por aí, na relação entre professores e estudantes.
Nos últimos meses, as notícias relativas a assédio moral e assédio sexual nas universidades têm enchido as páginas dos jornais. As instituições universitárias devem demonstrar que não compactuam com esse tipo de comportamentos, desde logo dotando-se das regras necessárias, atribuindo competências a órgãos determinados, criando os procedimentos de queixa devidos, com garantias de sigilo e de defesa adequadas, e exercendo o poder disciplinar, quando for caso disso.
Mas a solução não se esgota na criação destes procedimentos, há que agir a montante, na forma como (alguns) professores encaram os estudantes. É preciso reforçar uma diferente mundividência na relação entre uns e outros, que os assuma como colaboradores na relação de aprendizagem. Em que cada um dos estudantes seja visto como pessoa e não como número, merecedor de cuidado e respeito. Uma mundividência que, de algum modo, regresse ao conceito original da universitas magistrorum et scholarium, da comunidade de mestres e estudantes que, em conjunto, realizam o ideal da universidade.
- Opinião publicada no Expresso, jornal parceiro do POSTAL