O meu filho tem 12 anos e tem fibrose quística, a mais comum das doenças raras, que há duas semanas invadiu a casa dos portugueses, mas que há uma década invadiu a minha.
Todos os dias o meu filho toma pelo menos 31 comprimidos, aos quais têm de se somar os antibióticos preventivos. E isso porque está bem. Porque a doença parece estar controlada. Além disso, faz fisioterapia respiratória diária sozinho, e acompanhado uma vez por semana. E faz vaporizações com medicamentos todos os dias pela manhã. Porque está bem. A cada dois meses é acompanhado com imenso carinho e atenção no Hospital de Santa Maria. Não há falhas, folgas, desvios, esquecimentos. No dia em que a minha mãe morreu, tudo foi feito com o mesmo rigor. Não nos permitimos descansos, porque em causa está a vida dele – e a nossa.
Os portugueses tomaram conhecimento da doença ao perceber que uma jovem de 24 anos decidira romper o silêncio para aceder a um medicamento inovador que pode melhorar a qualidade de vida dos doentes com fibrose quística. Há 375 crianças e jovens em Portugal que têm o mesmo direito. E sabem porque são crianças e jovens? Porque esta é a parte que custa aos pais dizerem em voz alta, embora seja aquela que não os abandona nunca: porque estes doentes morrem cedo. A esperança média de vida é de 40 anos. Há poucas décadas era de dez anos. Ou seja, se tivesse nascido quando eu nasci, o meu filho já não estaria vivo.
Diz-se que não há uma palavra para os pais que perdem os filhos, que nenhum pai está preparado. E os pais que vivem a saber que cada dia a mais é também um dia a menos, porque esta doença é degenerativa e progressiva? Há dez anos, desde que foi feito o diagnóstico, que este é o nosso tabu diário: o luto precoce e quotidiano. Que nome me dão? Esta é uma doença que não o afeta apenas a ele, mas a toda a família. Todos temos fibrose quística – e no nosso caso não nos atacou os pulmões, o pâncreas ou o fígado, como a ele, mas o coração.
O meu filho é raro e especial, como são todos os filhos amados. Eu e o pai dele fomos os transmissores de um gene alterado que lhe condiciona a vida, e cabe-nos a nós tudo fazer para minimizar tão grande dano. É por isso que me exponho, às críticas, aos comentários, aos olhares. Os pais partilham os triunfos dos filhos e é por isso que aqui estou: para partilhar o triunfo de o meu filho ter 12 lindos anos.
Mas nós queremos mais, muito mais. Há duas semanas, pediram-lhe que ele escolhesse uma palavra. Escolheu “longevidade”. Disse que não sabia muito bem o que era, mas foi a que lhe saiu. Quando me contaram, faltou-me o ar, o ar que tentamos que não lhe falte a ele e que já rareia à Constança. O mundo parou devido à pandemia de um vírus respiratório porque as pessoas têm medo de morrer sem ar. Há 12 anos que o meu mundo é coxo devido a uma doença respiratória. Porque tenho medo de que ele morra sem ar.
Pouco tempo depois de ter conhecido o diagnóstico do meu filho, fui a um concerto na Culturgest em honra de uma adolescente que morrera com fibrose quística. Os pais eram músicos e tocaram para a homenagear. Estava cheio. De pais, mães, médicos, avós, tios, amigos. Chorámos todos, porque não é suposto os pais tocarem pela filha morta. Não há música que nos embale. O meu filho é feliz e diz entusiasmado que quer ser pai. Eu quero ser mãe.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso