Há 31 anos, em Abril de 1992, era inaugurada a 1ª linha de alta velocidade em Espanha. Essa nova infraestrutura, de Sevilha a Madrid, dista a menos de 150 km de Vila Real de Santo António. A menos de 150km continuamos à espera da eletrificação de uma linha que envergonha qualquer país europeu, sobretudo um que está na União Europeia há mais de 35 anos, exatamente ao mesmo tempo que os espanhóis.
Não vos quero falar de Alta-Velocidade. Até porque para um dia sonharmos com ela a chegar a Faro teremos necessidade de erguer uma 3ª travessia no Tejo e de ver chegá-lo primeiro ao Porto. Portanto é do nosso interesse que o AV avance em força para o Norte sem histórias, para já, de que falta o Algarve.
Foquemos noutra coisa. Em lutas realizáveis para hoje (e que em Espanha, por exemplo, seria para um ontem muito distante).
Portugal nunca teve um problema de coesão nacional do ponto de vista da sua identidade. Somos todos portugueses, sentimo-nos assim, de Melgaço a Sagres, passando pelas ilhas. Nem todos os países são assim, como o caso aqui ao lado, mas o nosso é e ainda bem.
À falta do dado adquirido da nacionalidade, bem como ser um país de dimensão superior, os meios de comunicação, em especial a ferrovia, sempre foram vistos em Espanha como uma possibilidade de tornar coeso um País com os desafios que no capítulo identitário. Se garantirmos que é possível um madrilenho chegar rapidamente a Barcelona ou a Bilbau, garantimos que há mais interação entre madrilenos, catalães e bascos. E se há mais interação, há mais empatia, há mais convivência e, portanto, menos possibilidades de gerar conflito ou desentendimentos. No caminho, desta viagem de união, gera-se sinergias económicas, oportunidades de trocas de ideias, formação e negócio, conhece-se outras realidades e boas-práticas e o território desenvolve-se, em Madrid, em Barcelona e em Bilbau.
E o que é que isto tem que ver com o Algarve e o Metro-Bus? Ora, eu explico.
O projeto do Metro-Bus surgiu caído mais ou menos do céu e para aproveitarmos um dinheirinho europeu (à falta de dinheirinho português para investimento público).
O debate público regional gerado por este projeto foi algo insuficiente e a discussão de alternativas perto de zero. É aqui que reside o principal problema: a discussão de alternativas. Um projeto nunca vale por si só nem deve ser discutido na dicotomia “ou era assim ou não vinha nada”. Primeiro, porque temos de começar a olhar para o dinheiro europeu com um pouco mais de rigor e critério e não como uma esmola – para a qual também contribuímos – onde a lógica é gastar por gastar. E em segundo lugar, porque em Economia aprendemos o conceito de Custo de Oportunidade.
Ora o Custo de Oportunidade diz-nos que quando calculamos o custo de algo se deve ter em conta não só o custo propriamente dito mas também o custo associado ao facto de por se fazer uma coisa não se fazer outra. Pois bem, num cenário de recursos limitados – o dinheiro e o tempo – há sempre um Custo de Oportunidade em assumir projeto x em detrimento de projeto y.
Por isto mesmo é meu entender que o Metro-Bus vem colocar de lado projetos mais urgentes e estruturantes na mobilidade regional: a reforma do comboio. Aquilo que tentarei explicar neste texto é o porquê de achar este caminho errado.
Não é novidade para ninguém que um comboio pesado – como o que já temos – leva mais gente e anda mais rápido que um metro de superfície (e que neste caso o metro-bus nem isso é).
O comboio algarvio precisa de grandes reformas. Não só necessita de avançar com uma medida que deveria ter sido feita há 30 ou 40 anos, que é a da eletrificação em toda a linha, como também precisa de se ligar ao Aeroporto. Considero ainda que é necessário uma correção no traçado e que deve ser criado um triângulo em Tunes que permita que o Barlavento Algarvio também possa ser servido pelos comboios que vêm de Lisboa. Poderíamos discutir a plausibilidade de outras ideias mais ambiciosas, fora do âmbito direto da atual linha de comboio, como a criação de uma linha que passasse por zonas consideravelmente densas mais no litoral e que hoje não são servidas pela atual linha, como os perímetros urbanos de Albufeira e Quarteira. Aí sim, um transporte coletivo mais ligeiro, que complemente a linha do comboio que segue mais pelo interior talvez faça sentido, e que poderia ajudar ao comboio a abdicar de estações existentes na linha interior para ganhar tempos de viagem.
Todas estas ideias – algumas certamente mais válidas que outras – mereciam um debate sério, mas foram algo desperdiçadas quando a resposta foi focar num Metro-Bus que segue boa parte do seu percurso planeado paralelo à linha de um comboio que já existe, que é mais rápido e que poderia oferecer muito mais garantias se o dinheiro gasto fosse em melhorá-lo.
Os metros de superfície fazem sentido em territórios urbanos mais ou menos contínuos. Não atingem uma velocidade tão grande, tendem a conviver num espaço urbano ao lado de carros, pessoas e passeios e têm as estações mais próximas entre elas. Veja-se o exemplo, e que nem por acaso uso com regularidade, do MST na Margem Sul.
Qual é a continuidade urbana entre Faro e Olhão? O transporte entre aquelas duas cidades vizinhas não ficava melhor servido por um comboio que sendo já mais rápido do que aquilo que o Metro-Bus consegue dar, podia ser ainda mais rápido e mais frequente comparativamente ao que existe hoje? E a UAlg em Gambelas? E o Aeroporto? Não teria sido mais interessante ligar a esses dois pontos a linha do comboio que passa lá muito perto, fazendo com que assim não se tenha de fazer transbordo caso se queira ir para uma zona do Algarve à qual o Metro-Bus não chega mas que o comboio chega? Aliás, a própria chegada do comboio ao Aeroporto injetaria certamente utilizadores à linha que lhe daria escala e maior rentabilidade para que se pudesse investir ainda mais na mesma.
É exatamente aqui que vale a pena introduzir esta ideia do Algarve regional. Muito se reivindica o Algarve como uma Região, sendo que muitos até defendem maior autonomia política e orçamental para fazer jus a esse facto. Contudo, hoje, o Algarve ainda está aquém do que pode ser em termos de mobilidade regional entre concelhos. Basta, por exemplo, comparar com Lisboa, o Porto ou até mesmo a sub-região da AML da Península de Setúbal, onde a mobilidade entre concelhos é enorme. Em todos os casos a ferrovia pesada desempenha um papel relevante para essas distâncias.
Contando com uma N125 que caminha cada vez mais para a municipalização e com a certeza que o futuro da mobilidade passará por menos quota do carro do que aquela que temos hoje, o comboio é a grande forma de ligar o Algarve de Lagos a Vila Real de Santo António – quem sabe um dia estender a linha a Aljezur e Vila do Bispo. Esta é a melhor forma de mobilidade para permitir que todos os dias se possa viver e trabalhar em concelhos além dos vizinhos mais próximos. Que podemos realmente viver como uma região e não como um conjunto de 16 quintais em que cada um trata do seu. O comboio pode ser a espinha dorsal disso, tal como o comboio é fundamental em Espanha. Trocar, com mais rapidez ideias, formação ou negócios. Ajudar a integrar a economia e a sociedade algarvia.
Esta era a discussão sobre mobilidade coletiva que entendo que deveríamos estar a ter. Não a do Metro-Bus. Perdemos uma oportunidade. E há sempre um custo na oportunidade que não se escolhe.