Novembro chegou ao Algarve e trouxe com ele o silêncio habitual. As portadas dos hotéis fecham-se e as esplanadas, de Vilamoura a Lagos, recolhem as mesas. A Via do Infante, finalmente livre de portagens, uma conquista de justiça territorial que o PS concretizou, está agora desimpedida. Mas a ironia é cruel: temos finalmente mobilidade plena na A22, mas cada vez menos algarvios com emprego para onde conduzir. A fluidez no alcatrão contrasta com o bloqueio na vida das famílias.
Para o turista, é apenas o fim da época; para o economista atento, é o momento de olhar para o futuro com preocupação redobrada. É que este silêncio de outono arrisca-se a tornar-se mais profundo com o novo pacote laboral que o Governo da AD prepara para o país.
O diagnóstico do atual Executivo parece ser o de que o mercado de trabalho está “rígido” demais. A “solução” anunciada passa por reverter medidas da Agenda do Trabalho Digno, facilitando contratos a termo e bancos de horas, sob a promessa de que tal “agilidade” trará investimento. Não é preciso ser um visionário para perceber o resultado final: aplicar esta receita ao Algarve não é resolver um problema, é garantir o colapso social de inverno.
Neste momento, as leis em vigor (ainda protegidas pelo legado do governo anterior) tentam encarecer a rotação excessiva de trabalhadores. Mas a simples ameaça ou promessa de que “a flexibilização vem aí” já cria expectativas perigosas. Se o empresário hoteleiro souber que, no próximo verão, terá carta branca para contratar e despedir com menos custos e menos justificações, por que razão haveria de investir agora na retenção de talento?
A teoria económica é clara: a insegurança laboral mina a produtividade. O pacote laboral que se avizinha envia o sinal errado às empresas algarvias. Diz-lhes que não precisam de inovar, não precisam de criar produtos de inverno (na saúde, no desporto ou na cultura) para manter as equipas. Diz-lhes que o modelo de negócio de “usar e deitar fora” vai voltar a ser validado por lei.
Ao querer desmantelar as travas à precariedade, o Governo prepara-se para institucionalizar a “sazonalidade barata”. E há um custo escondido que raramente aparece nos PowerPoints do Ministério da Economia: a fatura pública. Um mercado de trabalho mais “flexível” no turismo significa, na prática, mais gente no subsídio de desemprego no inverno. É a privatização dos lucros do verão e a socialização dos custos do inverno, paga por todos nós através da Segurança Social.
O Algarve não precisa da “flexibilidade” deste Governo. Precisa, sim, de mecanismos inteligentes como um sistema de bónus-malus na Taxa Social Única: quem oferece contratos sem termo paga menos; quem abusa da rotação, paga mais.
O inverno já é difícil por natureza. Não precisamos de um Governo que, em nome da liberdade económica, venha legislar para que a nossa precariedade se torne eterna.
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