Desde a descoberta da Covid-19 em Wuhan (China), o mundo nunca mais foi o mesmo. Em resposta à pandemia de Covid-19 foi implementado um conjunto de medidas preventivas e de controlo, as quais condicionaram a liberdade e o convívio social. O isolamento causado por essas restrições levanta algumas preocupações no âmbito da saúde mental, não só dos adultos, mas principalmente dos jovens. Será que este problema virá a refletir-se nas suas vidas futuras? Será que a sua saúde mental e bem-estar poderão ser totalmente recuperados?
Com a identificação do novo coronavírus responsável pela doença Covid-19 (SARS-CoV-2), janeiro de 2020 marca o início de um dos momentos mais problemáticos e preocupantes da história, a partir do qual a incerteza passou a ser uma constante.
Devido à enorme facilidade de propagação do coronavírus, a Organização Mundial de Saúde identificou um quadro de pandemia. O desenvolvimento desta pandemia tornou-se numa grave crise de saúde pública, de escala global, a qual motivou profundas mudanças sócio comportamentais na maioria das pessoas, em consequência da falta de um tratamento.
Lentamente, milhões de pessoas em todo o mundo foram adotando comportamentos anteriormente impensáveis, bem diferentes daqueles a que estávamos habituados, e incluindo novas palavras no seu vocabulário diário. Palavras como “distanciamento” e “isolamento” passaram a fazer parte do léxico comum. Consequentemente, além da perda de vidas, acentuaram-se ainda mais as desigualdades e passou-se a viver num quadro de crescente sofrimento psicológico, o qual viria a ter efeitos na qualidade da saúde mental da generalidade das pessoas, comprometendo assim o bem-estar geral.
As consequências da pandemia têm atingido diferentes faixas etárias. Se por um lado, é facilmente identificável que os idosos são aqueles que mais sofrem e têm em maior risco a saúde, devido à sua idade avançada, maior vulnerabilidade, à fragilização dos laços sociais, à dependência de terceiros ou isolamento, por outro, as crianças e adolescentes, embora mais resistentes, também estão a ter dificuldades acrescidas devido à Covid-19. Os confinamentos e outras regras de distanciamento social além de provocarem a redução do contacto/proximidade entre as crianças e adolescentes, obrigaram as escolas a encerrarem total ou parcialmente, o que tem levado inúmerascrianças e adolescentes a ficaram privados das suas rotinas, atividades, aprendizagens e brincadeiras essenciais ao seu desenvolvimento. O ensino à distância impediu-as de conviver e brincar umas com as outras e aumentou as horas de exposição a ecrãs, com o risco e as inseguranças a eles associadas.
Problemas derivados do confinamento, como o isolamento social, a ausência de suporte social, o aumento da solidão, a alteração das rotinas, a diminuição de afeto e carinho, a diminuição de atividade física e a morte de alguns familiares levaram ao aparecimento de sintomas depressivos e problemas de saúde mental nos jovens. Um estudo feito pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra revelou que 14% dos adolescentes, com idades compreendidas entre os 13 e os 16 anos de idade, apresentaram “sintomatologia depressiva elevada” (acima do percentil 90) durante a pandemia da Covid-19. Os especialistas sublinham que a saúde mental das crianças e adultos tornou-se numa epidemia dentro da pandemia. De acordo com uma sondagem feita recentemente nos EUA pelo Hospital Pediátrico C.S. Mott, cerca de 46% dos pais dizem que os seus filhos adolescentes desenvolveram uma nova condição de saúde mental ou pioraram uma condição já existente desde o início da pandemia, com as raparigas a terem mais propensão para a ansiedade e depressão do que os rapazes. Cerca de 75% dos pais dizem que os filhos não interagem da mesma forma com os amigos.
A Covid-19 trouxe não apenas o risco de morte por infeção, mas também uma pressão psicológica difícil de suportar, a qual, além de prejudicar as crianças e os adolescentes no presente, terá consideráveis repercussões na sua vida futura e na sua integração social.As mudanças generalizadas no nosso ambiente social, tais como o distanciamento físico forçado e um reduzido contacto social presencial com os amigos e familiares, podem ter um efeito comprometedor substancial no cérebro e no desenvolvimento do comportamento durante a adolescência. Diversos estudos científicos revelam que durante os períodos de confinamento, há aumento da ansiedade, da depressão, dos distúrbios alimentares e das desigualdades sociais. Este quadro terá consequências na esperança de vida dessas crianças e na capacidade de evolução da própria sociedade nos anos futuros. Essas crianças irão ter maior dificuldade de progressão na escala social, tendendo as mais desfavorecidas a permanecer cada vez mais desfavorecidas.
Embora ainda não seja possível tirar conclusões cientificamente sustentadas sobre as consequências diretas da pandemia, é de esperar que haja um agravamento da saúde mental e bem-estar, cujos prejuízos influenciarão o domínio familiar, social e académico.
As privações impostas pela pandemia e a precariedade em geral irão deixar vulnerabilidades no processo de crescimento/desenvolvimento dos jovens a longo prazo, as quais devem merecer uma especial atenção dos especialistas em saúde mental.
Urge agora, mais do que nunca, implementar uma estratégia nacional de saúde mental, facilmente acessível a todas as crianças e jovens.