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Cultura, Edição Papel, Opinião

O Ano Novo e a lista de resoluções

FILOSOFIA DIA-A-DIA: Artigo de Maria João Neves publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul de janeiro

14:00 14 Janeiro, 2022 11:26 16 Janeiro, 2022 | Jornal Postal
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Maria João Neves PhD
Consultora Filosófica 

Ao estrear de um novo ano é momento de colocar na balança o ano que passou, avaliando os ganhos e as perdas, as conquistas e as derrotas. É também o momento de estabelecer estratégias e definir objectivos, e assim surgem as famosas listas de resoluções. 

No artigo de Dezembro passado falei do perigo de se desacreditar da introspecção e de como isso pode levar à perda da consciência, entendida como falta de sentido de responsabilidade por aquilo que fazemos, pelas opções que tomamos ou pelas consequências dos nossos actos. A discussão sobre se temos ou não livre arbítrio e suas consequências é vasta e ocupar-nos-á durante vários artigos. Para já vamos considerar que o temos, pois fazer uma lista de resoluções para o novo ano pressupõe que a liberdade existe. 

Na tradição cristã a existência de livre arbítrio é precisamente aquilo que nos distingue dos animais. Estes estão pré-determinados, nós, pelo contrário, temos o poder de exercer a nossa vontade, temos liberdade de escolha. Assim sendo, a nossa lista de ano novo pode conter boas ou más resoluções. Qual é o critério que nos permite avaliá-las? Para considerar que uma resolução é boa, ela terá que ser vantajosa para mim. Contudo, a decisão continuará a ser boa se, apesar de me beneficiar a mim, prejudicar outros? É aqui que a questão da ética se articula com a da liberdade. Ainda dentro do enquadramento cristão, a capacidade de poder tomar boas ou más decisões acarreta consequências: recompensa no primeiro caso, punição no segundo, ambos a executar no dia do Juízo Final. 

Na filosofia budista não existe o dia do juízo final, aquilo que mais se lhe aproxima é o chamado Karma — A Lei de Causa e Efeito. Um provérbio tibetano diz o seguinte: “Se quiser conhecer as suas acções passadas, olhe para as suas circunstâncias presentes. Se quiser conhecer o seu futuro, olhe para suas acções presentes”. Assim entendido Karma consiste numa forma holística de olhar para o funcionamento imparcial da Lei de Causa e Efeito. Karma não tem que ver com julgamentos, recompensas ou punições a executar por uma divindade suprema. Pelo contrário, a Lei do Karma atribui-nos a responsabilidade directamente. Quaisquer acções sejam elas pensamentos, palavras ou actos, acabarão por ter um impacto positivo ou negativo. Cientes de que nada se perde no universo os budistas acreditam que o efeito de uma causa ou acção intencional pode ser imediato ou aparecer numa vida futura. 

No entanto, a experiência quotidiana parece oferecer-nos muitos exemplos de como o vício é melhor recompensado do que a virtude. Sem a ideia de um Juízo Final e da existência de vida após a morte, ou sem a crença na teoria da reencarnação talvez tenhamos poucos motivos para buscar a virtude e a justiça quando elas se afastam do interesse pessoal. Mas será, de facto, assim? 

Proponho que deixemos entre parêntesis as crenças budistas ou cristãs e nos concentremos apenas nesta vida que todos experimentamos. A questão que se coloca é a seguinte: é possível que a felicidade genuína resulte de uma motivação egocêntrica ou, pelo contrário, um comportamento ético parece ser condição sine qua non da felicidade? 

Sobre este trinómio liberdade-moralidade-felicidade pensaram muitos filósofos do oriente ao ocidente, desde a antiguidade aos dias de hoje. Não havendo espaço para os referir a todos trarei aqui algumas das perspectivas que me parecem mais relevantes. 

No Livro IV da República, Platão apresenta os principais aspectos da alma humana que divide em racionais, espirituosos e apetitivos. Todos nós desejamos viver uma boa vida e por isso mesmo uma pessoa sábia luta pela chamada justiça interior, uma condição em que cada parte da alma desempenha o seu papel apropriado: a razão deve ser a guia, a natureza espirituosa deve ser a aliada da razão — exortando-se a fazer o que a razão considera adequado — e as paixões devem submeter-se às determinações da razão. Na ausência daquilo que Platão denomina por justiça interior, o indivíduo é escravizado pelas paixões. Portanto, a liberdade para Platão é uma espécie de autodomínio, alcançada pelo desenvolvimento das virtudes da sabedoria, coragem e temperança, resultando na libertação da tirania dos desejos básicos e na aquisição de uma compreensão mais precisa e na busca resoluta do Bem. 

Aristóteles, embora partilhe com Platão a preocupação de cultivar virtudes, foca-se no papel da escolha em iniciar acções individuais que, com o tempo, resultam em hábitos, para o bem ou para o mal. No Livro III da Ética a Nicómaco, Aristóteles diz que tomamos decisões após deliberar sobre os diferentes meios disponíveis para os nossos fins. A escolha que um indivíduo faz depende, por um lado, do seu estado interno — a percepção das suas circunstâncias e crenças relevantes, desejos e disposições gerais de carácter — e das circunstâncias externas, por outro. Porém, o carácter de uma pessoa molda o modo como ela age. Se escolhermos consistentemente bem (mal), um carácter virtuoso (vicioso) formar-se-á com o tempo. Ser virtuoso ou vicioso está nas nossas mãos! 

Na filosofia budista Karma é também entendido como uma energia de hábito criada por padrões de comportamento repetidos. É difícil livrarmo-nos destas energias de hábito porque tal como numa garrafa de perfume vazia o odor permanece, também os nossos hábitos deixam uma espécie de impressões ou sombras que nos influenciam constantemente. Pode-se dizer que toda a nossa vida é um grande pacote de hábitos que perpetuamos distraidamente. É preciso muita motivação, força de vontade e esforço para desaprender hábitos negativos e treinar em positivos. Bons hábitos conduzem a uma boa vida e vice-versa. 

Sócrates no séc. IV a.C já defendia que a virtude é o meio para alcançar a felicidade — eudaimonia — e, por isso mesmo, exortava os seus contemporâneos a não gastarem mais tempo com a aquisição de bens materiais do que com o aperfeiçoamento das suas almas. Por seu lado Shantideva, o filósofo indiano do séc. VIII, condensa a trágica existência humana deste modo: aqueles que desejam escapar do sofrimento correm na sua direcção; buscando a felicidade, mas sendo ignorantes, destroem as suas causas como se ela fosse um inimigo. Isto deve-se ao facto de a maioria de nós orientar a sua vida por aquilo a que a filosofia budista chama as 8 preocupações mundanas, que se organizam em 4 pares de esperança e medo: querer ganhar e ansiedade de perder; buscar o prazer e fugir da dor; procurar uma boa reputação e receio de uma má reputação; demanda de elogios e apreensão pela falta de reconhecimento. As 8 preocupações mundanas colocam as causas da felicidade na dependência dos outros ou das circunstâncias, portanto, totalmente fora de nós. Esta estratégia é eficaz mas para atingir a infelicidade. 

Afinal em que consistem as boas escolhas? Quais são aquelas que, garantidamente, nos fazem felizes? Ouçamos o que tem a dizer Matthieu Ricard considerado o homem mais feliz do mundo. Este francês de 74 anos, doutorado em biologia molecular e monge budista do mosteiro de Chechen Teennyi Dargyeling no Nepal, numa entrevista dada à BBC em Janeiro de 2021 em que lhe perguntaram qual o segredo da felicidade respondeu simplesmente: “altruísmo e compaixão”. Perante o silêncio e olhar perplexo dos jornalistas Ricard elaborou: “a busca da felicidade egoísta não funciona, é uma situação em que todos perdem. Tornamos a nossa própria vida e a dos outros miserável. Em contrapartida, o altruísmo é uma situação em que todos ganham”. 

Os jornalistas perguntaram então se qualquer um poderia atingir esse estado de liberdade interior que conduz à felicidade. A resposta não se fez esperar: “Claro que sim! Afinal trata-se da nossa própria mente. O nosso controle das condições externas é limitado, efémero e, muitas vezes, ilusório, mas podemos trabalhar com a nossa própria mente enquanto lidamos com ela de manhã até a noite. A nossa mente pode ser nossa melhor amiga ou pior inimiga; é a mente que traduz as circunstâncias externas em felicidade ou infelicidade. Portanto, se pudermos treinar um pouco essa criança mimada que é a mente e dominá-la um pouco, será de grande ajuda para nos libertarmos de nossas tendências habituais e pensamentos automáticos e assim sermos mais felizes”. 

Talvez valha a pena ter isto em conta ao elaborar a lista de resoluções…. 

Inscrições para o Café Filosófico: [email protected] 

* A autora não escreve segundo o acordo ortográfico 

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