No passado dia 7 de abril celebrou-se o Dia Mundial da Saúde. Num período em que assistimos à curva descendente e à estabilização da onda pandémica, que entretanto se junta ao início de uma guerra, importa sublinhar a relevância da promoção da saúde, e em particular da saúde mental e psicológica, para lidar com as consequências do que temos vivido nos últimos dois anos e com tudo aquilo a que assistimos em direto no nosso dia-a-dia.
O conhecimento científico acumulado ao longo de décadas permite-nos dizer com bastante segurança que a promoção da saúde mental e psicológica começa, desde logo, nos contextos de vida mais próximos dos indivíduos. Para as crianças e adolescentes esse contexto será a escola, para os trabalhadores ativos esse contexto serão os seus locais de trabalho, que se juntam aos Centros de Saúde e a tantas instituições sociais sediadas na comunidade que visam promover a saúde e o bem-estar das populações.
A pandemia trouxe-nos a clara noção de que o nosso Serviço Nacional de Saúde se constitui como um privilégio quando nos comparamos com vários países no mundo que não têm assegurado o seu direito no acesso a serviços de saúde, e trouxe-nos ainda uma oportunidade de ouro para percebermos a ligação existente entre a nossa saúde física e psicológica, contribuindo até para a diminuição do estigma associado aos problemas de saúde mental. Se isto é verdade, a pandemia deixou também a descoberto as falhas, já existentes no Sistema, ao nível do acesso aos serviços na área da saúde mental e psicológica. Atualmente, são sobejamente conhecidos os diversos estudos e dados que fundamentam o agravamento dos níveis de bem-estar e da saúde mental na população em geral e, em particular, das crianças e jovens. A título de curiosidade, se colocarmos no Google os termos saúde mental e pandemia, somos surpreendidos com mais de 12 000 000 resultados em 0,47 segundos.
As dificuldades socioeconómicas das famílias, o aumento da incidência de problemas como a ansiedade e a depressão, aliadas a uma aposta diminuta na prevenção e na promoção da saúde mental e psicológica e a falta de serviços acessíveis e próximos das pessoas nas comunidades onde estas se encontram, naturalmente, estão a contribuir para o agravamento destes problemas com consequências relevantes no processo de aprendizagem das crianças e jovens e na produtividade dos adultos, com óbvio e enorme impacto na nossa economia.
Recentemente, a Ordem dos Psicólogos Portugueses publicou um parecer acerca dos “Rácios dos Psicólogos e Psicólogas” elaborado em Janeiro deste ano, com o objetivo de actualizar a informação relativa a este aspeto, comparando os rácios internacionalmente recomendados com os rácios existentes em Portugal. O cálculo destes rácios é um passo determinante para compreender de que forma as necessidades de saúde psicológica, nos mais diversos contextos, obtêm uma resposta atempada e preventiva.
Relativamente ao contexto escolar, e de acordo com dados publicados em 2019 e 2020 por diversas organizações internacionais, o rácio de Psicólogos/as não deve exceder os 500 alunos para 1 Psicólogo/a. Em Portugal, apesar da evolução positiva que se registou a este nível, o rácio estimado de Psicólogos/as nas escolas públicas encontra-se ainda aquém destas recomendações internacionais, onde encontramos 1 Psicólogo/a por cada 694 alunos. Se olharmos para o ensino superior público, o cenário piora significativamente, registando-se um rácio de 1 Psicólogo/a por cada 3238 alunos.
No que respeita aos rácios dos/as psicólogos/as nos contextos de saúde, embora não exista um valor per capita recomendado a nível internacional, de acordo com as estimativas existentes, o rácio de Psicólogos/as deveria ser de cerca de 1 para 5000. Se considerarmos o rácio que existe de Psicólogos/as no Serviço Nacional de Saúde para o número de habitantes em Portugal, concluímos que fica bastante longe desta recomendação, sendo que nos Cuidados de Saúde Primários existem, actualmente, 300 psicólogos (3 Psicólogos/as por cada 100.000 habitantes). Vale a pensa sublinhar que este valor não tem em conta o aumento da prevalência das dificuldades e problemas de saúde mental e psicológica decorrentes da pandemia e da crise socioeconómica. Estes dados são claros e inequívocos relativamente à carência de Psicólogos/as no Sistema e no Serviço Nacional de Saúde.
De facto, apesar do reforço que existiu de Psicólogos/as em virtude da pandemia quer ao nível da educação, quer ao nível da saúde, em ambos os contextos os rácios existentes em Portugal continuam muito aquém dos rácios recomendados internacionalmente. O cenário não é mais animador em contextos como os Estabelecimentos Prisionais (em que o rácio recomendado é de 1 Psicólogo/a por cada 150/160 reclusos e, em Portugal, se regista 1 Psicólogo/a para cada 380 reclusos), as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (em que um possível rácio a ser recomendado é de 1 Psicólogo/a para 40 utentes, o que significa que, em Portugal, com base nos 99 234 utentes nas ERPI seriam necessários, pelo menos, 2481 Psicólogos/as) ou nas Organizações e Empresas (nas quais se sabe, à partida, que a presença de Psicólogos/as é bastante residual).
Com base nestes dados, podemos concluir que apesar dos 25 000 Psicólogos/as existentes em Portugal, continua a verifica-se a escassez da sua presença em vários contextos de intervenção psicológica. Esta realidade traz consigo consequências negativas para todos os cidadãos portugueses, em especial para aqueles com menor capacidade económica que, mais uma vez, se encontram num lugar de acentuada desvantagem e desigualdade no que respeita ao exercício dos seus direitos.
A contratação de mais profissionais é absolutamente necessária e urgente, pois permitiria facilitar a prestação de cuidados psicológicos integrados e eficazes, melhorando a saúde mental e psicológica e o bem-estar de todos/as. Portanto, a fórmula “mais saúde, sem pessoas” contraria a conhecida regra da matemática que todos nós aprendemos na escola em tenra idade. Esta fórmula só pode ter um resultado negativo, acima de tudo, porque a saúde mental e psicológica se faz com pessoas para pessoas.