O escritor angolano Pepetela, vencedor do Prémio Camões em 1997, é o escritor homenageado na edição deste ano do festival literário Escritaria, em Penafiel.
A 11.ª edição do Escritaria vai decorrer de 1 a 7 de outubro e ficará ainda assinalada pelo lançamento do novo livro de Pepetela. O autor angolano, de seu verdadeiro nome Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nascido em Benguela, em 1941, licenciado em Sociologia, foi guerrilheiro, político e membro do MPLA, professor universitário em Angola, membro da Comissão Directiva da União dos Escritores Angolanos, e tem publicado romances regularmente desde 1978.
A Dom Quixote publicou em Setembro três livros do autor: a 7.ª edição de Yaka (1985), a 12.ª edição de Jaime Bunda, Agente Secreto (2001), uma paródia a James Bond, e Sua Excelência, de Corpo Presente, o seu mais recente romance que chega hoje, dia 25 de Setembro, às livrarias. Reza a sinopse que: «Num enorme salão cheio de flores, deitado num caixão forrado a cetim branco, jaz um ditador africano. Está morto, mas vê, ouve e pensa. Vê os que lhe foram prestar uma última homenagem (ou certificar-se de que morreu), ouve as suas conversas e sussurros, e pensa… (…) O novo romance de Pepetela é também uma crítica mordaz ao abuso de poder e aos sistemas de governo totalitários disfarçados de democracias.»
Yaka narra a saga da família Semedo, desde o primeiro momento em que se ouve o vagido de Alexandre Semedo, quando nasce por baixo de uma árvore em terra cuvale em 1890, até exalar o seu último suspiro em 1975. Deste modo, centrando-se na figura de Alexandre Semedo, o autor deixa um amplo testemunho dos acontecimentos que moldaram Angola de 1890 até 1975, justamente o ano em que alcança a independência. O pai, Óscar Semedo, é um branco, português expulso do seu país, aportado em Moçâmedes dez anos antes do nascimento do filho. Angola era então uma colónia penal, pelo que Óscar terá sido deportado por ter morto a mulher à facada. Mas o pai de Alexandre Semedo defende sempre que foi degredado por ser republicano, apesar de pertencer a uma família aristocrata. Em Capangombe vive uma centena de famílias brancas, a maioria degredados, alguns militares, brasileiros, e vai surgindo um número crescente de mulatos, que parecem crescer como capim…
Trabalhando temas diversas como o que significa ser-se português em Angola, quando nunca sequer se viu terras de Portugal, passando pela escravatura, as revoltas africanas entre tribos, a luta contra o colonizador, e a expropriação de terras, culminando na conquista da independência, Yaka traça o mapa da formação de Angola como nação, de colónia a país livre. Alexandre Semedo morre justamente no momento em que tudo se torna incerto para os seus filhos e netos, que se preparam para fugir como podem com o que conseguiram entesourar ou expropriar ao território em que viveram e exploraram como puderam, ao contrário do patriarca, que sempre teve receio de arriscar fazer negócios.
Este romance representa uma proeza narrativa, na forma como o autor escreve em português apesar de deixar perceber particularidades do Português de Angola, mas sobretudo no modo como a voz do narrador se desdobra em várias. Por vezes oscilando entre a primeira e a terceira pessoa na mesma frase, nunca se percebe se o narrador é Alexandre, ou se é a estátua Yaka, uma máscara de olhos transparentes, que Alexandre acredita falar com ele, mas sem que ele consiga perceber o que essa voz ancestral lhe possa querer dizer, apesar do diálogo entre os dois se prolongar por 80 anos.