Verão, de Ali Smith, encerra o ciclo das quatro estações que tem vindo a ser publicado pela Elsinore, um projecto da autora britânica que pretendia retratar a escuridão destes dias. Numa prosa experimentalista e lírica, a autora tece uma análise dos temas mais prementes destes últimos anos: a Austrália em chamas e as alterações climáticas; o governo baseado em inverdades de Boris Johnson (que se finge de ébrio e faz-se passar por rapaz); o Brexit; a detenção de refugiados; a pandemia. A condizer com o título, e apesar das nuvens que parecem encastelar-se no horizonte, a narrativa é conferida um matiz luminoso, um tom esperançoso, filtrado pela óptica de dois jovens irmãos brilhantes, Sacha (que idolatra a Greta Thunberg) e Robert Greenlaw (que adora Einstein), capazes de perceber a diferença entre as máscaras de algodão que agora se usam e as «máscaras reais» que «cobrem o rosto dos mentirosos dos planetas» (p. 45), verdadeiros «génios da manipulação» (p. 55).
sta tetralogia, que pretende retratar uma nova era «que é uma espécie de caricatura» (p. 56), tinha de ser escrita em ritmo acelerado, e a Elsinore conseguiu igualmente a proeza de traduzir e publicar, sensivelmente, um livro por ano, a começar com Outubro em 2017. Mas, para melhor compreender o presente, a autora (que em raros momentos dirige-se mesmo ao leitor) não hesita em levar-nos numa viagem a outros momentos críticos, designadamente através da memória de Daniel, um ancião de 104 anos que viveu a I Guerra e esteve detido, durante a II Guerra, em Douglas, um campo de concentração para estrangeiros (isto é, alemães) na Ilha de Man.
Cada um dos títulos deste ciclo pode ser lido separadamente, mas Primavera e Verão, as últimas duas estações, intersectam-se de diversas formas: constituem-se como histórias dentro de histórias, com várias vidas que se cruzam; as referências a Rilke, Katherine Mansfield e Einstein que se mantêm em ambos os livros; a importância da arte e da literatura como bússolas; o diálogo intergeracional; e muito particularmente o centro de detenção de emigrantes.
Ali Smith nasceu em Inverness, Escócia, em 1962, e vive atualmente em Cambridge. Autora de romances, contos, peças de teatro e crítica literária, recebeu importantes prémios literários, como o Costa Book Award. Foi várias vezes finalista do Man Booker Prize.