Um menino na praia, com texto e ilustrações de Luciano Lozano, com tradução de Catarina Sacramento, é um novo álbum da AKIARA, que pode ser comprado e lido em português, mas também em espanhol ou catalão.
Este belíssimo livro infanto-juvenil confirma que estes álbuns que se apresentam como sendo para os mais novos, são de leitura tão ou ainda mais aprazível para os adultos.
Esta é a história contada na primeira pessoa de um menino, sem nome, filho de um pescador local, tal como em tempos o pai do seu pai também o era. Quando o pai leva este menino no seu barco para o mar, no seu baptismo de mar, o menino não reage muito bem, para grande decepção do pai.
É assim que começa a história. Mas páginas depois chega à linha de costa um outro menino. Este segundo menino na praia é Kai, de olhos brilhantes e curiosos, que acabou de chegar de um país distante: o Japão.
É assim que dois meninos muito diferentes, oriundos de lugares muito distantes entre si, se encontram na praia, no estreito de Gibraltar.
A amizade destes dois meninos configura o encontro de duas culturas, pois à descrição do modo de vida de uma aldeia costeira na Andaluzia, que pode ser uma aldeia num qualquer Sul de um outro país, como o Algarve, sucede-se a introdução de costumes e aspectos culturais do Japão. E nestas ilustrações que enchem a página como o mar se estende até ao horizonte a perder de vista, de texto conciso, saudosista, conta-se depois igualmente a história de como esta amizade um dia terminou, embora o seu efeito perdure, quando Kai regressa ao Japão, e o menino parte para estudar longe do mar. E ao estudar arquitectura, leva ainda consigo a recordação de como o seu amigo Kai construi um barco a partir de pedaços de madeira desgastados que deram à costa.
Um menino na praia cruza ficção com autobiografia de forma magistral, como o autor depois esclarece numa nota final, pois as duas últimas páginas do livro constituem um guia de leitura, onde Luciano Lozano fala sobretudo da sua relação com o Japão, e nos esclarece acerca de algumas das suas particularidades – ilustradas nesta história. História inspirada na infância do autor que é também a história de como alguém que nasce num bairro de pescadores (La Línea de la Concepción, no estreito de Gibraltar) pode não ter nascido para marinheiro, mas ainda assim pode um dia cruzar o mar e chegar mais longe, para beber de outras culturas e enriquecer o seu horizonte. Um hino à amizade, mesmo quando há oceanos e décadas a apartar dois amigos. E, muito particularmente, este livro é também um tributo à cultura japonesa, bastante presente na vida e no trabalho do autor, onde a par do texto breve ressaltam ilustrações poeticamente evocadoras do delicado equilíbrio da estética japonesa, desenhadas num traço espontâneo que recorda a pintura oriental.
Escondidas nas ilustrações cintilam ainda pormenores que o autor depois esclarecerá – basta estar atento.
Luciano Lozano é ainda autor de outros álbuns na AKIARA, como A escola da Haru, Tancho (finalista do Prémio Anderson em Itália e Les Incorruptibles em França) e de Tempo de haikus (3.º Prémio para os Livros Mais Bem Editados em 2022 e finalista do Prémi Atrapallibres). Os três livros versam também sobre o Japão.
Nas palavras do autor: “Vivo entre Barcelona e Benalmádena, na Andaluzia. Há dezassete anos que trabalho como ilustrador. (…) Estive no Japão duas vezes. A primeira foi uma aventura de cinco dias em Tóquio sem reserva de hotel e sem saber muito bem o que fazer. Regressava do meu primeiro ano de ilustração em Londres e passei os cinco dias a desenhar. Surpreendeu-me imenso a estética japonesa, e tenho a sensação de que essa viagem e essa estética se fundem, de alguma maneira, no meu trabalho de ilustração.”
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