Retrato do Artista quando Jovem, agora relançado na Coleção Dois Mundos da editora Livros do Brasil, o primeiro romance publicado por James Joyce (1916), não era reeditado por esta editora há mais de três décadas. Uma obra fortemente autobiográfica de um percursor de novos caminhos no panorama da ficção contemporânea.
Retrato do Artista quando Jovem é, nas palavras do prefaciador e tradutor Alfredo Margarido (escritor, ensaísta, investigador, professor universitário, poeta e pintor português), «um dos volantes do tríptico fundamental da obra de Joyce». Escrito ao longo de 10 anos, entre Dublin e Trieste, este romance, tem em comum, com Ulisses e Finnegans Wake, o conceito de labirinto (não é por acaso que aparece o nome Dedalus), seja ele espacial, temporal ou linguístico. Labirinto esse que se materializa também na cidade de Dublin, omnipresente ao ponto de podermos pensar na sua topografia como uma personagem.
Sem a irreverência (e a dificuldade) de Ulisses, já se nota aqui alguma da experimentação linguística e liberdade técnica que o autor viria a adoptar depois muito mais livremente. Por isso mesmo, justifica-se o tradutor, houve que tomar algumas liberdades, de modo a “poder dar uma correspondência portuguesa tão aproximada quanto possível do original” (p. 10).
O romance inicia quando Stephen Dedalus (alter ego do autor) deixa definitivamente a infância, o que significa, pela primeira vez, sentar-se na mesa dos adultos no Natal, e acompanhar as discussões religiosas. Tornar-se um adolescente irlandês significa também acompanhar as suas dores de crescimento ao separar-se da família e ingressar num colégio de rapazes, onde será sujeito a uma rígida educação católica. Simultaneamente, como pano de fundo, a sua família conhece uma queda social, um pouco como o precipício de Dédalo.
Preocupado em ser um gentlemen e um bom católico, revelando-se um jovem irlandês promissor, brilhante, confrontado com os seus dilemas morais, os jesuítas tentam encaminhá-lo, convencendo-o a vestir o hábito. Por outro lado, a sua alma conhece os primeiros anseios de liberdade:
“A sua alma ressurgia do sepulcro da adolescência, despojando-se das vestes sepulcrais. Sim! Sim! Sim! Ia gritar magnificentemente, com a liberdade e a força da sua alma, como o grande artífice cujo nome usava, uma coisa viva, nova, alada e bela, impalpável, imperecível.” (p. 184)
Este é o retrato da sua rebeldia e da sua formação espiritual, bem como artística, com passagens fortemente líricas, de reflexão ora religiosa ora metafísica, e com episódios que se assemelham a diálogos platónicos entre Stephen e um colega.
James Joyce nasceu em Dublin, na Irlanda, a 2 de fevereiro de 1882, e é considerado um dos maiores escritores do século XX. Entre as suas obras mais conhecidas contam-se o volume de contos Gente de Dublin (1914) e os romances Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939). A sua escrita incluiu inovações técnicas como o uso extensivo do monólogo interior, o desenvolvimento de uma rede de símbolos retirados da mitologia, da história e da literatura, e a criação de uma linguagem repleta de palavras inventadas e trocadilhos. Faleceu em Zurique, na Suíça, em 1941.