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Doutorado em Literatura na UAlg
e Investigador do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC)
O Romântico, de William Boyd, com tradução de Maria João Lourenço, foi publicado no início do ano pela Dom Quixote. É o primeiro livro que leio deste consagrado escritor britânico, autor de romances de fundo histórico como No Coração de África e Viagem ao Fundo de um Coração, onde dá a conhecer a personagem de Ian Fleming.
O Romântico narra a vida de Cashel Greville Ross, nascido em 1799, no condado de Cork. O facto de a sua meninice e juventude se revelarem imbuídas de mentira, pois conforme ele descobrirá mais tarde a sua história é afinal uma ficção urdida pela tia que o criou, podem augurar aquilo que mais tarde se verifica na vida de Cashel logo em jovem adulto: que num tempo de vida ele vive uma infinidade de vidas, umas mais solitárias e alegres, outras devastadoras, num carrocel que ao longo dos anos seguintes oscila entre a sorte e a perda. A maior parte das suas aventuras será vivida fora da sua terra natal, tornando-se uma espécie de viajante pícaro que tão depressa está na mó de cima como de repente vê a sua vida virada do avesso.
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A sorte, ou pouca sorte, de Cashel começa justamente quando decide ser um tamborileiro, e dá por si – com uma breve passagem por Portugal – no campo da batalha que ficará conhecida para a posteridade como a batalha de Waterloo. E o facto de aí ter combatido, onde chega a ser ferido, assegura-lhe não só uma pensão mas também o reconhecimento daqueles com quem se cruza. Mais tarde, Cashel integra o exército das Índias Orientais; revela a sua honradez ao fazer uma nobre escolha moral numa aldeia do Sri Lanka; ingressa no mundo dos poetas românticos em Pisa, enredando-se durante aquilo que parecia um verão perfeito nas complicadas teias amorosas entre os Shelley; indispõe um operático e egocêntrico Lord Byron, etc.
A cada capítulo parece virar-se também mais uma página na vida de Cashel, por vezes com pequenos saltos temporais que só depois são colmatados, retrospectivamente, também como forma de prender o leitor, à medida que Cashel na sua vida picaresca viaja pelo mundo como soldado, agricultor, criminoso, escritor, pai, amante, explorador, diplomata, etc.
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Um romance de leitura compulsiva que dá uma perspectiva íntima de como a vida pode ser um carrocel ou uma montanha-russa, ou mesmo uma viagem de balão, que se torna atractiva justamente pela imprevisibilidade, na “complexidade de caminhos bifurcados, as diversões, as duplicações, as decisões inadvertidas e os acasos” (p.184). Uma narrativa que convoca ainda as alegrias ou os riscos, conforme a perspectiva, de se viver como um romântico, pois ao longo dos seus quase 90 anos de vida, ao atravessar o século XIX, Cashel acabará por constatar como muitas vezes desafia a segurança e pacatez da sua vida arriscando tudo com base em caprichos ou decisões voluntariosas, pois quase sempre a sua vida é decidida com base no seu coração, sem parar para ouvir a razão.
William Boyd publicou o seu primeiro romance, No Coração de África, vencedor dos prémios Whitbread e Somerset Maugham, quando professor de Inglês, em Oxford.
É autor de livros de não-ficção, antologias de contos e romances, entre eles o thriller de espionagem histórica Inquietude, vencedor do prémio Costa Novel of the Year, e Viagem ao Fundo de Um Coração. Galardoado igualmente com outros prémios – Whitbread First Novel Prize, John Llewellyn Rhys Prize, James Tait Black Memorial Prize e Prix Jean Monnet -, viu treze dos seus guiões cinematográficos filmados. Em 1998, escreveu e realizou o filme A Trincheira.
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