O perfume das flores à noite, de Leïla Slimani, com tradução de Isabel Castro Silva, é o primeiro ensaio da autora a ser publicado em Portugal. Publicado pela Alfaguara, chancela que reúne a obra de Leïla Slimani – Canção doce(2017); No jardim do ogre (2018); O país dos outros (2021).
No início do ensaio, em Paris, em dezembro de 2018, Leïla Slimani fala-nos de como não gosta de sair e prefere a solidão à distração. Este livro começa justamente pelas renúncias próprias a quem quer escrever um romance (ou mesmo ler, no geral, ou escrever, no geral, actos igualmente solitários que implicam dedicação e abdicação).
“A primeira regra quando se quer escrever um romance é dizer não” (p. 13).
Nas páginas seguintes a autora descreve-nos o seu pequeno laboratório de escrita e explica como aquele é um dia mau, em que as personagens não lhe falam, e de como a escrita implica disciplina e abstinência. Curiosamente, páginas adiante, a autora fala-nos de como disse “sim” a uma estranha proposta. Aceita um inusitado convite para passar uma noite num museu em Veneza – um edifício mítico na Punta della Dogana, Dogana da Mar. Se, por um lado, o fechar-se num museu pode ser a medida extrema necessária para conseguir dar espaço à escrita, por outro lado, o escrever “por encomenda” deixa-a igualmente angustiada: “Em que armadilha fui cair? Porque aceitei escrever este texto, se estou plenamente convencida de que a escrita deve responder a uma necessidade, a uma obsessão íntima, a uma urgência interior?” (p. 45)
Essa noite insone num museu acaba por ser o pretexto para a escritora deambular por outras paragens e outros tempos, desvelando um pouco da arte do seu ofício. É também, insolitamente, no museu que se depara com o perfume noturno das damas-da-noite que a transportam para a infância em Rabat. Slimani consegue a proeza rara de tocar um assunto para depois passar a outro, para páginas adiante voltar ao ponto anterior, entretecendo tudo num texto coeso de rara beleza; da infância no país que deixou há 20 anos, do nomadismo e exílio, à condição de escritora-mulher e às memórias do pai, passando pelas alusões a autores que aprecia (Virginia Woolf, Milan Kundera, Rilke, James Baldwin, Murakami, Emily Dickinson, etc.), enquanto nos fala dos seus próprios romances.
Um livro belíssimo sobre a escrita, a identidade e a memória, de uma das mais importantes vozes da literatura francesa. Um livro que apetece ler e reler, em que se destaca uma multiplicidade de belíssimas frases às quais apetece voltar e em torno das quais muito se pode escrever: “A literatura consiste numa erótica do silêncio. O que conta é o que não se diz.” (p. 28)
Leïla Slimani, escritora franco marroquina, vencedora do Prémio Goncourt em 2016, nasceu em 1981, em Rabat, Marrocos, numa família de expressão francófona. Aos 17 anos, partiu para Paris, onde estudou Ciências Políticas. Antes de se dedicar à escrita, trabalhou como jornalista. Publicou vários livros de ensaio e opinião, e mantém atividade cívica em defesa dos direitos humanos. Liderou uma campanha para ajudar as mulheres marroquinas a reclamar os seus direitos, o que lhe valeu o Prémio Simone de Beauvoir para a Liberdade das Mulheres. O país dos outros, terceiro romance da autora, venceu o Grand Prix de l’Héroïne Madame Figaro e conquistou a crítica e os leitores. Está para sair em breve o segundo volume da trilogia O País dos Outros.
Leïla Slimani estará à conversa com Margarida Calafate Ribeiro dia 20 de junho, na Fundação Calouste Gulbenkian, entre as 18:00 e as 19:30. A entrada é livre e no final da conversa haverá uma sessão de autógrafos.