Hotel Savoy, do escritor austríaco Joseph Roth, com tradução de José Sousa Monteiro, é uma das novidades literárias deste novo ano, publicada pela Dom Quixote. Um clássico da literatura europeia que surge, na verdade, em reedição, datando a primeira edição de 1991.
Pouco tempo depois do final da Primeira Guerra Mundial, um jovem judeu vienense, prisioneiro durante três anos, regressa a casa depois de ser libertado de um campo siberiano. Durante cinco anos peregrinou pela Rússia, onde foi agarrando os trabalhos que podia, de ajudante de padeiro a trabalhador rural. Nas primeiras páginas, curiosamente, há recorrentes alusões à cor branca, que se pode associar à pureza, à novidade – “o mundo em que vivo é branco de céu e de neve” (p.10) – como quem tenta deixar-se tomar por um novo sentimento: “atiro para baixo o azedume, a pobreza, o não ter eira nem beira, a pátria que não tenho, a fome e o meu passado de pedinte” (p. 12).
Sem dinheiro, sem roupa, sem mala, sem pertences, quase sem dignidade, Gabriel Dan está agora, finalmente, às portas da Europa. Ainda em terra estrangeira, faz uma paragem pelo caminho, com um objectivo em mente, e escolhe ficar hospedado no Hotel Savoy, talvez porque lhe parece ser o mais europeu dos hotéis do Oriente.
Naquela cidade mora um tio rico de Gabriel Dan, e o leitor começa a perceber que a errância deste jovem tem, afinal, um destino concreto, o de pedir algum dinheiro para recomeçar. Mas esse seu tio, no meio de um pequeno-almoço de ovos com presunto e café com leite, com um fino roupão e uma cara escanhoada a cheirar a sabão, parece até ficar ofendido quando Gabriel insinua que ele está bem na vida.
Entretanto, sem sequer vislumbrar muito bem como poderá pagar o quarto, embora para alguém na sua condição não haja melhor hipótese do que permanecer no hotel, Gabriel deixa-se imergir num cenário de uma atmosfera desconcertante e ilusória, cheio de personagens peculiares, algumas delas saídas do circo. Há um palhaço que contracena com um burro, uma dançarina de trejeitos orientalistas, um ascensorista com cara de poucos amigos que olha os clientes de forma altaneira e intimidante.
Como se pode perceber logo no início, o Hotel Savoy é, afinal, “um palácio rico” que também serve de prisão, onde os vários relógios indicam horas distintas, um edifício com 864 quartos que parece fazer as vezes de Purgatório, por onde as mais estranhas personagens, cada uma com a sua microhistória, deambulam, no anseio de partir para a América, terreno incógnito, indefinido, utópico, sinónimo de um futuro melhor. Se nos andares de baixo moram, em quartos amplos e bonitos, os ricos, nos andares de cima moram os pobres diabos que não têm dinheiro para pagar os quartos, e que recorrem a estranhos estratagemas como penhorar malas que pouco ou nada têm dentro, ou comprar bilhetes de lotaria, confiando nos palpites de um homem que sonha (por vezes, fora de tempo) com os números premiados.
Ocasionalmente, a voz do protagonista, que narra o seu périplo na primeira pessoa, parece ser tomada por uma voz que nos fala de mais alto, tecendo considerações mais reflexivas, de uma fria decepção para com a natureza humana:
“As pessoas levavam uma vida miserável. Foram elas que prepararam o seu destino mas elas pensam que é obra de Deus. Deixaram-se aprisionar em tradições, os seus corações ficaram atados a milhares de fios, fios entrelaçados pelas suas próprias mãos.” (p. 122)
Mais perto do final do romance chegam notícias de novas hordas de emigrantes, igualmente indesejados na Europa, de uma revolução, de uma possível guerra, pois a história, especialmente nos seus erros, tende a repetir-se…
Joseph Roth (1894-1939) é um dos mais importantes romancistas do século XX, e uma das figuras essenciais da literatura centro-europeia. Escritor e jornalista austríaco de origem judaica, nasceu na cidade de Brody, na Galícia Oriental (atual Ucrânia). Combateu na Primeira Guerra pelo exército austro-húngaro, de 1916 a 1918, tendo sido feito prisioneiro pelo exército russo. A experiência da guerra marcou-o profundamente e viria a inspirar muitos dos seus livros, nomeadamente este Hotel Savoy.
Depois da guerra, trabalhou como jornalista em Viena e Berlim, e em 1923 começa a colaborar com o jornal Frankfurter Zeitung, o que o leva a viajar por toda a Europa. Em 1933, quando Hitler chegou ao poder, e prevendo o que se avizinhava, exila-se em Paris, onde, enfraquecido pelo alcoolismo, morre de pneumonia a 27 de maio de 1939, meses antes do deflagrar da Segunda Guerra Mundial.
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