«Um diário de bordo, uma narrativa de viagem, um livro de aforismos ou de orações, um atlas, um romance ilustrado do século XX, um tratado poético-filosófico, um livro de História Antiga», conforme reza a contracapa do livro. Um livro difícil de definir, mesmo que tenhamos todo um paratexto para nos guiar, pois a obra conta ainda com uma nota introdutória de Francisco José Viegas, uma introdução do autor Claudio Magris e um posfácio de Robert Bréchon, onde não faltam gravuras, além de que toda a segunda parte do livro consiste numa exploração de cartas (mapas).
Predrag Matvejevitch, eminente ensaísta eslavo nascido na Bósnia-Herzegovina, discorre entre o ensaio e o caderno de apontamentos, entre o diário de bordo e a crónica, no que se afigura um poema épico, com uma bela tradução de Pedro Tamen, onde tudo conflui para dissertar sobre o Mare Nostrum, conforme apelidado pelos romanos. Este livro «não é nem um estudo objetivo (tratado, tese, ou aquilo que é uso chamar erradamente ensaio), nem uma sequência de impressões, de considerações ou de divagações. O Breviário situa-se na faixa estreita que permaneceu livre entre o discurso académico e o discurso «poetizante», ameaçado pelo kitsch. O que define o género pouco habitual a que pertence é a maneira de o escritor se situar relativamente ao conteúdo e à forma da sua obra.» (p. 273-274)
O mosaico mediterrânico, as suas fronteiras, os molhes e portos, as ilhas e as gentes insulares, as penínsulas, os cemitérios, as ondas, os ventos, as correntes, a espuma do mar, as costas, os seixos que cabem na palma da mão, os golfos, as grutas marinhas, as nascentes, os faróis, as gentes costeiras, as imprecações e as línguas, os mercados, os pesos e as medidas, as salinas, o artesanato, os azeiteiros e os salineiros, os tanoeiros, os barcos, a natação, o mergulho, a pesca das esponjas, os apanhadores de corais, os rios, as árvores, da figueira à oliveira, e os povos que se centram em torno deste mar…
O autor escreve com exuberância e ligeireza poética, a partir da sua memória e vivência, com erudição e fantasia, guiando o leitor num fabulosa viagem através da faixa litoral do Mediterrâneo, percorrendo-o de lés a lés, no espaço e no tempo, e leva-nos a navegar com ele: «Há viagens depois das quais o nosso olhar deixa de ser o mesmo e outras em que até o nosso passado se transforma: essas abrem ou concluem as histórias do Mediterrâneo.» (p. 87)
Com este livro e outro que apresentaremos depois, de Paul Theroux, inaugura-se Terra Incognita, a colecção de literatura de viagens da Quetzal, num formato especial, que muito promete a quem não gosta de turismo, mas fazem da viagem um modo de viver e de conhecer o mundo.
(CM)