A LeYa anunciou no Dia Mundial do Livro a criação de um clube de leitura, designado Próximo Capítulo, com o intuito de promover diálogo e partilha em torno de livros de ficção e de não ficção. Com três encontros virtuais por mês para conversar sobre a obra escolhida por votação, a novidade deste Clube é ser preparado e orientado pelos editores assim como pelas equipas editoriais e de marketing da LeYa, permitindo conhecer as obras através de quem as trabalhou a fundo. Isto possibilita a aproximação ao mundo por trás do livro e ao seu percurso até chegar ao leitor, procurando ainda que haja, sempre que possível, uma interacção com o autor. O número de inscrições superou as expectativas e, como puderam inferir, eu ingressei esta comunidade de leitores, pelo que não podia deixar de partilhar aqui um breve texto sobre a primeira leitura escolhida.
Publicada pela Dom Quixote, e reeditada em Novembro do ano passado numa edição especial de capa dura, esta obra, esta é uma das grandes obras da literatura universal. Um livro de leitura breve, mas com várias camadas de sentido.
Num pequeno castelo de caça na Hungria, em cujos salões se recebiam convidados, se organizavam saraus e se tocava Chopin, vive um general. O general nasceu naquele palácio, no mesmo quarto onde agora vive, como «uma pessoa que se habitua à dimensão da sua doença». Este homem, conforme percebemos no lento crescendo em que a intriga se desenrola, na tensão permanente em que o leitor junta breves pedaços de informação, já pouco sai para o mundo exterior, tal como nem visita as outras alas do palácio. Vive naquele confinamento porque já nada lhe resta na vida a não ser manter uma espera. O general pensa em décadas e não gosta de números exactos. Contudo, ficaremos a saber que entre um dia remoto e o dia presente, entre o dia 14 de Agosto e o dia 2 de Julho, passaram-se 41 anos, e 43 dias. Talvez essa suspensão do tempo seja porque esta é também a história do final de uma era, de um mundo depois da Guerra, do ocaso da vida. Talvez seja porque o tempo verdadeiro que interessa ao general é apenas seu – um lugar íntimo e subjectivo, feito das suas memórias, que permanecem tão concretas e vívidas como os objectos daquele palácio, um espaço que perdeu entretanto o esplendor de então – talvez no mesmo momento em que o general perdeu quem lhe era mais querido. Porque aquele palácio é também um «grande túmulo ornamentado» em que se encerra «a memória dos mortos».
No dia de hoje, no presente da narrativa, o general recebe Konrád, o seu amigo de infância e de juventude, que é apenas alguns meses mais velho do que ele: «completara os setenta e três anos na Primavera». Konrád que viveu 41 anos nos trópicos, tendo partido subitamente, sem explicação, depois de ter jantado naquela mesma sala, como jantava todas as noites, à mesma hora, na mesma companhia. Naquela sala grande cuja mesa está agora disposta exactamente da mesma forma, como 41 anos atrás, onde também ardiam aquelas mesmas velas azuis no centro da mesma, pois a mulher do general «gostava da luz das velas, gostava de tudo o que a fazia lembrar do passado».
E entre estes dois homens, outrora irmãos, ao centro da mesa, sob a mesma luz dessas velas azuis, reside a sombra de um segredo.