Aquele Natal Inteiro e Limpo, com texto de José Gardeazabal e belíssimas ilustrações de Susana Matos, é o livro perfeito para esta altura, publicado pela Kalandraka +, numa encadernação de capa dura.
O título evoca as “palavras reconhecidas” e reconhecíveis de Sophia Andresen:
“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo…”
Um livro que se apresenta para os mais novos, a partir dos 8 anos, mas que requer uma leitura a quatro mãos, que cruze todas as gerações da família.
“Para começar a história, o Natal aproxima-se e o meu avô não sabe o que é o Natal. Está sentado numa cadeira de baloiço. Parece o Pai Natal, sem a roupa. Está esquecido a um canto, em silêncio, duas vezes esquecido. Esquecido porque se esqueceram dele e esquecido porque não se lembra do Natal…”
José Gardeazabal traça a narrativa, logo de início, em poucas linhas. Depois, o texto espirala em circunvoluções poéticas, desfiando a história devagar. Como um poema, conta a história do amor de uma neta pelo avô, ignorado como uma peça de mobiliário (porque este é também um livro que subtilmente aborda a demência). Ainda no ano passado foi o avô que se disfarçou de Pai Natal, mas agora, chegado aos oitenta anos, parece esquecido de todos os Natais que passou com a família. Perdido no labirinto da sua memória, quando a neta o interroga sobre o Natal, pois sabe que o avô ainda gosta de ser ouvido, ele fala-lhe de um primeiro Natal, inteiro e limpo. A sua memória desse dia, ocorrido há precisamente cinquenta anos, tem um brilho nítido, quando os soldados eram meninos que não dispararam e o povo saiu à rua com flores…
A menina compreende então que aquele Natal, um dia pleno de promessa, era uma revolução.
As ilustrações de Susana Matos nostálgicas, num traço que parece a grafite, conjugam o preto e branco com as súbitas irrupções de cores, em especial o vermelho natalício que é também o dos cravos. O dia em que se festeja a liberdade entretece-se assim com a quadra festiva de união e partilha.
Em homenagem aos 50 anos da Revolução dos Cravos (que se assinalam em 2024), esta é uma leitura informativa, poética, sensível, que fará todo o sentido nesta época mas também no próximo ano.
Possam as famílias, neste dia e sempre, saber dialogar numa luta contra o esquecimento e o isolamento, e sentarem-se a recordar os valores que nos são essenciais, enquanto crianças, enquanto cidadãos, enquanto portugueses.
José Gardeazabal, escritor nascido em Lisboa, venceu em 2021 o Prémio de Literatura Infantil Cidade de Almada – Maria Rosa Colaço.
Susana Matos, nascida em Lisboa, estudou Artes Plásticas na ESAD das Caldas da Rainha e lecionou Educação Visual em inúmeras escolas. Ilustradora de livros, já publicou mais de uma dezena de títulos, tendo arrecadado, em 2018, uma Menção Especial no XI Prémio Internacional de Compostela para Álbuns Ilustrados. Vencedora também do Prémio Matilde Rosa Araújo de Ilustração pela Câmara Municipal da Trofa (2012), obteve ainda uma nomeação para o Prémio de Melhor Ilustração de Autor Português no Festival de Banda Desenhada da Amadora em 2016. Participou nas edições do VII e XIII catálogo Iberoamericano de Ilustração e nas primeiras edições da Bienal de Ilustração de Guimarães.
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