Joanne Harris é uma escritora que passa sempre à frente das dezenas de livros que ameaçam fazer a minha cabeceira soçobrar… Este livro, publicado 20 anos depois de Chocolate, o primeiro livro que li da autora, mais ou menos quando saiu o filme, é um regresso ao universo mágico da pequena vila de Lansquenet-sous-Tannes, o que perfaz uma série de 4 romances – com Sapatos de Rebuçado e O Aroma das Especiarias – e que aparentemente continuará… pois sente-se que Anouk terá um dia a sua própria história. Todos os livros da autora – da série Chocolate e outros, inclusive infanto-juvenis – integram o catálogo das Edições ASA.
Vianne Rocher – e acho que é difícil dissociar a personagem de Juliette Binoche, actriz que a interpretou, como sempre acontece quando se vê uma adaptação de um livro ao cinema – continua a viver em Lansquenet-sous-Tannes onde mantém a sua chocolataria. Em tempos repudiada, é agora uma mulher respeitada e que, de forma subtil e imperceptível, continua a ajudar os habitantes da vila, através do cheiro enfeitiçante do chocolate quente que tem o condão de os fazer desoprimir-se do fardo que carregam, de segredos e de pecados erroneamente assumidos. Mas esta bruxa boa também carrega um segredo… e como aconteceu antes com Zozie, em Sapatos de Rebuçado, existe agora outra mulher que anda pelo mundo ao sabor do vento e que se instala numa loja mesmo frente à chocolataria, ameaçando o falso conforto de Vianne Rocher, que em tempos decidiu deixar de seguir o vento para poder criar as filhas com a estabilidade que ela própria nunca teve. Anouk vive agora longe, em Paris, o que para uma mãe nunca é fácil, e Vianne agarra-se a Rosette, a sua filha mais nova de 16 anos, uma menina especial que apenas fala na sua «voz sombra» e que esconde dons mais fortes do que os que a sua mãe retira do chocolate…
Uma história que se desenrola gradualmente, como um mistério que se vai mexendo e apurando com gosto e paciência, revelando outros fios narrativos, em que o destino de Vianne, de Morgane, a tatuadora, de Rosette, do falecido Narcisse e do padre se interligam. Uma fórmula cujos ingredientes são magia, vingança, amor, segredos e onde nem sempre aquilo que parece é. Um romance que pode ter como efeitos secundários o súbito desejo de uma chávena de chocolate quente, com um ligeiro trago amargo e do picante da malagueta, para confortar o coração. Pois o amor é como o vento, e muda de feição e varre tudo o que construímos quando percebe que resistimos à mudança e nos agarramos a alguém, impossibilitando-a de voar.
(CM)