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Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve
Investigador do CLEPUL
A Dança da Água, publicado pela Cultura Editora, é o muito aguardado romance de estreia de Ta-Nehisi Coates, autor sobejamente conhecido, todavia, pelo seu Entre mim e o mundo, publicado em 2016 pela Editora Ítaca (com tradução de Isabel Castro Silva) e vencedor do National Book Award.
A Dança da Água é um romance excepcional, publicado no original o ano passado, mas estranhamente parece ter passado despercebido Hiram Walker (Hi) nasceu escravo, numa plantação de tabaco na Virgínia.
Mas o jovem Hi não é igual aos outros escravos negros, a começar pelo facto de ele não ser negro mas sim mestiço, filho de pai branco, que é também o seu dono. Quando a mãe de Hi foi vendida, porque inevitavelmente todos os negros serão vendidos e separados da sua família, Hiram perde qualquer memória dela. Contudo, paradoxalmente, Hi revela uma memória prodigiosa, dom que se revelará uma fonte de entretenimento para os brancos.
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Será depois educado pelo mesmo perceptor que o seu meio-irmão branco, Maynard, a quem o pai reconhece não ter as mesmas capacidades de Hiram, pelo que cedo compreende que deve prepará-lo para ser o mordomo (ou na verdade um mentor) de Maynard. E, num certo dia, é-lhe revelado um misterioso poder que lhe salva a vida ao quase afogar-se num rio. Esse encontro com a morte desperta-lhe ainda a vontade urgente de fugir e libertar-se da escravidão. Porque esse poder é, afinal, inseparável do desejo de liberdade: a condução das almas. Os seus dotes aliados ao conhecimento das letras que entretanto adquire, entre o perceptor e a biblioteca do pai, revelar-se-ão essenciais ao seu trabalho como condutor daqueles que desejam fugir e viverem como homens livres no Norte, onde a escravidão era já condenada. Entretanto, ao longo da narrativa, a terra de abundância que era o Sul vai perdendo, curiosamente, o fulgor da terra vermelha. Explorada e seca, até se tornar árida, as plantações da Virgínia vão morrendo e os patrões terão de ir vendendo os seus escravos, a única fonte de riqueza que lhes resta.
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Um dos livros mais aclamados sobre o racismo e a luta pela liberdade de um autor reputado, que aborda uma temática já tocada por Colson Whitehead emA Estrada Subterrânea – onde se materializava a metáfora do Underground imaginando linhas férreas subterrâneas –, que vai ainda mais longe, numa narrativa prodigiosa e original a que não falta magia – magia essa que não nos compete desvelar antes que leia este belíssimo livro