A última vez que o tema da habitação foi colocado, de forma clara, na agenda política, foi há exatamente 30 anos, em 1993, quanto no Governo de Cavaco Silva foi lançado o PER – Plano Especial de Realojamento, que viria a permitir o acesso de milhares de famílias a habitação em condições adequadas.
Nos últimos dias o tema da habitação voltou em força à agenda política e terá vindo para ficar. O crescente número de famílias que têm extrema dificuldade, ou que não conseguem de todo, aceder a habitação para aquisição ou arrendamento, a preços compatíveis com o seu rendimento, a isso obriga.
Não será por acaso que na última semana o PSD – Partidos Social Democrata lançou uma proposta de 40 medidas para responder aos problemas da habitação e o Governo do PS – Partido Socialista aprovou em Conselho de Ministros um conjunto de medidas para a habitação, que serão colocadas em consulta pública durante um mês.
PSD e PS concordam na necessidade de flexibilizar o usos dos solos, permitindo mesmo que os solos agrícolas possam ser convertidos, desde que destinados a habitação acessível.
Um e outro documento, apresentam opções ideológicas, mais ou menos marcadas, de acordo com as tendências de cada um dos partidos proponentes. No entanto, será ao centro que se encontra a virtude, com medidas, de um lado e de outro, a apresentarem potencial para contribuir para a resolução do problema. Por outro lado, já se percebeu que algumas das medidas apresentadas dificilmente se constituirão como uma solução efetiva, chegando ao ponto de não ser aceites por alguns dos agentes do setor da habitação, e podendo mesmo vir a ter um efeito contrário ao desejado.
Começando pelo princípio, o problema do mercado é um problema de oferta e procura. Se, por um lado, o número de habitações colocadas no mercado na última década foi reduzido, por outro, a procura, por diversos motivos aumentou substancialmente. Inclui-se aqui o fato da habitação não ser encarada apenas como “bem” para habitar, tendo passado a ser vista cada vez mais como um ativo transacionável, que pode ser objeto de investimento e de exploração económica, situação perfeitamente legitima.
Nesse sentido, o caminho passará pelo aumento da oferta. PSD e PS concordam na necessidade de flexibilizar o usos dos solos, permitindo mesmo que os solos agrícolas possam ser convertidos, desde que destinados a habitação acessível.
Outro aspeto relevante prende-se com o tempo e os custos. Tempo de licenciamento de novos projetos e custos administrativos. Também aqui os 2 partidos concordam na necessidade de reduzir prazos de aprovação de projetos, bem como custos associados a licenças e impostos. Menos burocracia, menos prazos e menos custos de contexto resultam em habitações a preços mais acessíveis.
Mas estas são medidas que, a funcionarem, apenas produzirão efeitos a médio prazo.
No curto prazo, as medidas propostas pelo Governo, parecem ser de eficácia duvidosa, colocando muita coisa em causa: colocam em causa o Alojamento Local, ao aumentarem a sua taxação e impedirem novos alojamentos, esquecendo o importante papel que este setor teve nos últimos anos na dinamização da economia; colocam em causa a propriedade privada ao estabelecer o arrendamento coercivo de casas devolutas; garantem o pagamento de rendas de casas arrendadas pelo Estado, para sub arrendar, apenas 3 meses após o incumprimento. Parece pouco e desajustado, face aos resultados pretendidos e necessários.
Já o PSD apresenta um conjunto de propostas de eficácia imediata, como sejam a atribuição de subsídios de arrendamento habitacional, em conjugação com as medidas desta natureza já disponibilizadas pelos municípios; a criação de mecanismos de “Moradia como serviço”, em alternativa à aquisição ou arrendamento, podendo incluir soluções de coabitação; ou o desagravamento fiscal substancial, em imóveis destinados arrendamento.
Pelo meio alguns eventuais efeitos perversos das medidas ficam a descoberto. A transformação no uso de lojas e escritórios para habitação tornará estes mais caros, dificultando a instalação de novas atividades económicas de comércio e serviços. A limitação absoluta ao alojamento local, coloca em causa o dinamismo de um setor que tão importante foi para a recuperação económica do país nos últimos anos.
Algumas medidas terão, quase exclusivamente, aplicabilidade nos grandes centros como Lisboa e o Porto, nomeadamente as relacionadas com a (re)afetação de património do Estado para habitação.
E há um elefante nesta sala da habitação, do qual apenas o PSD fala – a justiça, que, enquanto garante do equilibro e cumprimento das obrigações estabelecidas entre proprietários e arrendatários, assume um papel fundamental no estabelecimento da confiança necessária ao bom funcionamento do mercado de arrendamento.
No final, o que se deseja é que as medidas que vierem a ser implementadas sejam ajustadas à realidade do mercado e possam produzir efeitos práticos no curto, no médio e no longo prazo.
Esperemos que prevaleça o bom senso e o equilíbrio, em detrimento de soluções mais radicais, pois de outro modo não atingiremos os objetivos pretendidos, com prejuízo para as famílias que esperam e desesperam por uma oportunidade para aceder a uma habitação condigna a preços ajustados ao seu rendimento.