Adapto uma conhecida frase de Sophia de Mello Breyner para homenagear a Língua que falamos, ouvimos e lemos… por isso não podemos ignorar ou maltratar esta que é a nossa Língua Materna.
No passado dia 5 de Maio celebrou-se pela primeira vez o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Esta data foi ratificada pelos órgãos da UNESCO, em Paris, no mês de Novembro e é um reconhecimento que ajuda a afirmar o Português no mundo.
O Português é a quarta língua mais falada como língua materna – a seguir ao mandarim, inglês e castelhano – a mais falada no hemisfério sul e idioma oficial dos nove países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e Macau.
A nossa Língua Pátria está entranhada no nosso estar e modo de ser. A língua é parte do nosso património e acredito que a maior parte dos Portugueses está incomodada com os atropelos para com o Português de Portugal.
O Acordo Ortográfico de 1990 (AO) não foi ratificado por todos os Estados que o subscreveram, ou seja, não está em vigor na ordem jurídica internacional, não vinculando desse modo o Estado Português conforme o artigo 8º nº2 da Constituição da República.
Um Acordo desta natureza não se pode implementar por Decreto. São oito séculos de Língua Portuguesa e uma língua é mais do que uma grafia, é uma memória viva.
Recordo algumas palavras de Vasco Graça Moura que foram bastante veementes quando referiu que o AO resultou de um lobby político e é uma forma de adulterar o património cultural. E chamou a atenção para o Art. 78º nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Artigo que nos implica a todos na preservação do património cultural imaterial.
Pode ler-se na Lei Portuguesa, na alínea c) do referido artigo, que “Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum”.
Se a Língua é esse elemento que dá vida à identidade comum, que nos une cultural e patrioticamente, não pode ser alterada de forma leviana.
Assistimos diariamente a autores de referência que se recusam a utilizar o novo Acordo e estão no seu direito.
Esta coexistência dos dois Acordos está a gerar imensa confusão e creio que terá consequências muito negativas para a Língua Portuguesa.
Falta coragem política para admitir que o Acordo é um erro. Faltam governantes intelectualmente responsáveis para dizer que não resultou e que seria mais coerente extinguir o Acordo. Esta situação desprestigia Portugal.
O Acordo não está interiorizado e vai contra a nossa matriz cultural.
“A Língua Portuguesa foi ferida por um vírus pior nos seus efeitos sociais e culturais do que o coronavírus.”
Uso esta citação de Pacheco Pereira pela sua acutilância e actualidade e acrescento estas suas frases, não recentes, mas que se mantém actuais. “O acordo ortográfico é a típica medida de engenharia política. É a ideia de que, a partir da política, pode-se moldar a língua, moldando, neste caso, a grafia.” E ainda “(…) o acordo ortográfico é muito empobrecedor em relação à riqueza do Português”.
O AO ainda pretende ser mais papista que Sua Santidade, vejamos este exemplo:
Escrevemos “perceptível” e no Brasil escreve-se igualmente com o “p”. Então qual o sentido de no novo AO ser proposto que “perceptível” passe a “percetível” em Portugal, quando no Brasil se mantem com o “p”?
É certo que existiram outros acordos ortográficos, mas tinham a ver com uma evolução natural da Língua, como por exemplo passar a escrever Farmácia em vez de Pharmacia. Agora o que não faz sentido é estar a mutilar a Língua Portuguesa por causa de outros países.
Há um conjunto de normas avulsas e não normativas propostas pelo novo AO que levantam muitas dúvidas. Por exemplo cor-de-vinho perde os hífens. Já para escrever cor-de-laranja o uso do hífen é facultativo.
Falei com professores que estão completamente desiludidos com a situação e ainda mais baralhados ficam porque recebem documentos oficiais do Ministério da Educação, ora escritos com base no novo Acordo, ora com base no antigo Acordo.
Esta e outras situações relativas ao novo AO deixam um amargo de boca à grande maioria dos portugueses. O número de assinaturas que tem sido recolhido o corroboram.
Nesta semana em que celebramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas fica o desafio para um tratamento mais cuidadoso da nossa Língua-Mãe.
Termino com palavras de Natália Correia retiradas do seu poema Língua Mater Dolorosa:
“(…) a canalha apedreja-te a semântica
e os teus verbos feridos vão de maca (…)”
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de junho)