Que tipo de envolvimento renal pode ocorrer no Lúpus?
O lúpus é uma doença em que o sistema imune se torna disfuncional e leva à produção de auto-anticorpos que se depositam nos órgãos causando inflamação e lesão a longo prazo. A inflamação do Lúpus pode atingir os rins e esta situação é designada por nefrite lúpica.
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Os rins têm como objetivo filtrar e eliminar as toxinas, bem como manter o equilíbrio dos sais, minerais e conteúdo de água corporal. Para além disso, produzem hormonas que são importantes para manter o controlo da pressão arterial e evitar anemia. Os rins são constituídos por cerca de 1 milhão de unidades filtrantes designadas por glomérulos. Os depósitos de auto-anticorpos ocorrem nos glomérulos, levando à inflamação e alteração da capacidade de filtração destes glomérulos, permitindo a passagem de sangue e proteínas para a urina.
De acordo com a gravidade da inflamação a Nefrite Lúpica classifica-se em:
Classe I | Fases precoces que não exigem tratamento, exceto se proteinúria elevada e presença concomitante de Podocitopatia do Lúpus |
Classe II | |
Classe III | Fases inflamatórias que exigem tratamento |
Classe IV | |
Classe V | Exige tratamento se proteinúria elevada |
Classe VI | Fase apenas com lesões crónicas, não exige tratamento |
A medicação e as consequências da medicação tais como os glucocorticoides, podem levar à hipertensão e diabetes que por si só também podem dar doença renal, mas que não se relaciona com a inflamação do lúpus.
O envolvimento renal é frequente? Quando pode surgir no curso da doença?
O envolvimento renal pelo lúpus é frequente, sendo que cerca de 20 a 60% dos doentes poderão desenvolver nefrite lúpica durante o curso da doença, seja no seu início, seja numa fase posterior. O atingimento renal é mais frequente nos doentes de origem africana, asiática ou hispânica.
Como se manifesta a nefrite lúpica?
Nas fases mais precoces, é assintomática e manifesta-se apenas com presença de sangue e proteínas na urina que é avaliada no contexto de rotina nas consultas de seguimento.
À medida que progride, evolui com pressão arterial elevada (hipertensão arterial) e surgimento de edema (inchaço) por incapacidade de gestão dos líquidos pelos rins. Assim, surge progressivamente edema nos membros inferiores, olhos, abdómen e tórax evoluindo para falta de ar. A presença de espuma na urina é também um sinal de proteínas na urina.
Como se pode diagnosticar precocemente e como deve ser abordada?
Na avaliação de rotina que o doente com lúpus faz habitualmente com o seu reumatologista ou internista, é muito importante que conste sempre:
- Exames de urina para verificar se há proteínas e sangue na urina.
- Sedimento urinário: para avaliar se existe eritrócitos (sangue)
- Rácio proteínas/creatinina na 1ª amostra da manhã para testar proteínas elevadas na urina (proteinúria); em alternativa ou para quantificar com mais rigor colher a proteinúria numa urina de 24h.
- Análises sanguíneas
- Creatinina no soro (que demonstra se os rins funcionam bem ou não)
- Outras análises para diagnosticar lúpus: hemograma, velocidade de sedimentação, auto-anticorpos (ANA, dsDNA), complemento (C3, C4 e C1q).
Caso surja proteinúria (principalmente > 500mg/dia) e/ou eritrocitúria e/ou alteração da função renal, será proposta a realização de:
- Biópsia renal: é fundamental para caracterizar a inflamação que tem a nível renal e para adequar o tratamento, ou seja, permitir decidir entre não tratar, tratar de forma pouco agressiva ou mais agressiva. As alterações das análises não são suficientes para se esclarecer o grau de inflamação, só a biópsia renal permite dar o diagnóstico definitivo.
Como se deve tratar a nefrite lúpica?
A nefrite lúpica é tratada com medicamentos que suprimem o sistema imunológico de forma a que ele deixe de danificar os rins, reduzindo a inflamação e a produção de auto-anticorpos. Dependendo da gravidade da inflamação, o tratamento pode incluir:
– Micofenolato mofetil e glucocorticoides
– Ciclofosfamida (habitualmente endovenosa) e glucocorticoides
– Micofenolato mofetil, belimumab e glucocorticoides
– Micofenolato mofetil, tacrolimus ou ciclosporina e glucocorticoides
Estas são as opções mais frequentes, mas é possível que surjam mais medicamentos com os novos ensaios clínicos e que os glucocorticoides (prednisolona) sejam substituídos por outros medicamentos com menos efeitos colaterais a longo prazo (inibidores do complemento).
Para além da redução da inflamação, será importante iniciar medicação para controlar a hipertensão arterial (inibidores da enzima conversora da angiotensina ou antagonistas do recetor da angiotensina II) que podem também ajudar a reduzir a proteinúria. É fundamental vigiar a pressão arterial em casa para melhor controlar a hipertensão arterial.
Quais são as complicações da nefrite lúpica?
É fundamental diagnosticar e tratar precocemente a nefrite lúpica, pois a longo prazo pode levar à perda progressiva de função renal, com desenvolvimento de insuficiência renal grave, que exija terapêuticas substitutivas da função renal, nomeadamente a diálise ou o transplante renal. A vigilância da urina através de análises é fundamental para a abordagem precoce e eficaz e deve fazer parte da avaliação de rotina do doente com lúpus.
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