Traição à Pátria, dizem eles…. na sua belicosidade verbal. E assim vão grassando os ímpetos nacionalistas, que parte do povo parece teimar em desejar.
E o problema mais sério é que, nos nossos mundos em colisão, o nacionalismo, que não o patriotismo, não se alimenta apenas de uma paixão assolapada pelo distinto bacalhau à Brás e ou o clássico “copo de três”, mas no perigoso movimento ufanista de “Deus, Pátria e Família”.
De pouco vale a indignação com o regresso a um mundo que assiste, impotente, ao ressurgir dos novos nacionalismos
As explicações para o seu regresso aliam-se a um imenso púlpito emocional. A mecânica da ordem das emoções está aí, preconizando gerar no povo um excessivo orgulho do seu país, um exacerbado fanatismo, gerador do sentimento de superioridade da nossa cultura ou da nossa etnia face aos outros, com os respetivos respaldos internos no racismo, na xenofobia e na discriminação dos imigrantes.
E é nos medos que se escancham fantasmas, envoltos nos lençóis dos nossos sobrados imaginários, que se anicham os agressivos crescimentos islâmicos, a perceção da falta de segurança, a coberto de forças policiais mal pagas, o excesso de imigrantes, a revolta contra o desemprego que “eles nos tiram”, a vociferação da corrupção, a degradação do atendimento nos serviços públicos.
Um caldo cultural perfeito de suporte à ideologia nacionalista radica na linguagem beligerante da luta contra a decadência de um país que não sai da cepa torta, a aguardar que o nacionalismo reconduza os indivíduos à “pátria grande”, baluarte afetivo do conceito de uma nação una e indivisível.
Um regresso nostálgico, com parentela no “make America great again”, que se vai destilando na mentalidade das turbas, nas ações e atos de insanidade das massas, que tendem a perder, a noção das consequências, quando unidas para a realização de ações extremas.
Com o “fim da vergonha”, a direita radical, que veio para ficar, visa introduzir na dita “traição” uma suspensão da racionalidade, marcada por um interlúdio apaixonado com a sua teologia política, emanada da artificial proteção de Deus àquela Pátria, que, por sua vez investiu de autoridade, por meio de unção, a família alargada do narcísico Dux, ou do Caudilho temperamental.
“Com amor se possível e com a força se necessário”, urge fazer cessar a lucidez democrática, que, ceifada, se varre, numa penada, para debaixo do tapete, com os horrores que sempre acompanharam o regresso da “barbárie”.
Pouco interessa ao povo se prometem o que for preciso para serem eleitos, se se contradizem com todo o despudor deste mundo. Interessam mais, muito mais, as qualidades dos chefes nacionalistas, “do você está ao meu lado ou é contra a pátria”, os seus virtuosos maquiavelismos, secundarizando a relevância da manipulação das ideias, correspondam, ou não, a uma crença firmada.
Na plataforma dos nacionalismos bons, que serão sempre os europeus, de feição romântica, conservadores, protecionistas e imperialistas, embrenhados num certo cesarismo clerical, continuam inaceitáveis os maus, os nacionalismos dos “Outros”, enxertados no direito à autodeterminação dos povos em África. Os que ontem advogavam esse lastro de portugalidade aos povos das colónias, tê-lo-ão deixado cair a troco de quê?
De pouco adianta alcunhá-los de demagógicos ou populistas, de xenófobos, atidos à mobilização de diferenças culturais assentes em “especificidades rácicas”, tentando tornar irrelevantes as suas ideias.
Parece condenada ao fracasso, a crítica dos que dizem que eles prometem o que for preciso para serem eleitos, não acreditando no que professam e nas suas despudoradas contradições.
De pouco vale a indignação com o regresso a um mundo que assiste, impotente, ao ressurgir dos novos nacionalismos. Depois as mutações ideológicas à esquerda, que deslizaram no pudim instantâneo, continuaram a viver o pós abril, como humilhação, pela queda do Estado Novo.
Outros tantos, na senda de um sebastianismo salvífico, permanecem confusos entre uma série de fidelidades que a democracia liberal supõe.
Depois, o descontentamento que alimenta o seu nacionalismo é contaminador, captando já uma parte significativa da juventude portuguesa, moderna e urbana para os territórios políticos.
Permanece, assim, na cidadania contemporânea portuguesa, uma série de escolhos que fazem da Presidência da República o alvo de uma espécie de fraco esteio, incapaz de segurar a bandeira do país com a glória imperial de outros tempos.
No vago desejo de segurança e autoridade, aliados a uma forte rejeição de impunidade política e do escândalo dos interesses pessoais que, não raro, dominam os governos, o nacionalismo promove a erosão da principal figura da coesão nacional, como forma de arremesso de uma elite política contra a democracia.
Dizer aos cidadãos que estamos de rastos, que somos traídos e que urge pôr de pé uma marcha, movida a testosterona, só pode crer provinda do alimento revivalista do sonho de que o público voltará a ser grandioso, com o clímax de que tal cerimónia se investe.
A costumeira reação, como espaço purificador do lixo social, a pretexto da manutenção de um ideal pátrio contra o estrangeiro, ganha uma forma de luta superior se à força de castração se associar o incentivo ao ódio presidencial, a figura cimeira do sistema que, não advogando a imprescindibilidade de antagónicas variantes ao nosso atual modelo de democracia, se constitui um esteio da indesejada estabilidade dos nacionalismos.
Como se os portugueses, afastados das suas raízes, de identidade perdida no mundo, não soubessem o que andam cá a fazer. Como se vivessem apenas animados pelo interesse agregador da dicotomia do amigo versus o inimigo e encontrassem na imolação do seu chefe simbólico uma forma de reencontro consigo próprios e com a sua portugalidade.
Bem refletia o inconfundível Vergílio Ferreira, no seu “Escrever” que “a Pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois”.
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