É actualmente consensual que a endoscopia digestiva assume um papel primordial no rastreio, no diagnóstico atempado e no tratamento, definitivo ou complementar, de diversas doenças do foro digestivo. Por outro lado, as doenças primárias do foro digestivo são prevalentes mas o tubo digestivo é igualmente sede de repercussões de outras doenças inflamatórias, infecciosas ou consequência de outras intervenções. Durante os últimos anos assistimos ao desenvolvimento gigantesco na área da endoscopia digestiva. Das melhorias na imagem endoscópica – aspecto crucial para o reconhecimento de alterações, com possibilidade mesmo de microscopia ou observação de alterações extra-digestiva através do uso de técnicas complementares de imagem como a ultrassonografia (ecoendoscopia); do manuseamento, tipologia e tamanho dos endoscópios – de várias dimensões com possibilidade de ultrapassar estenoses do lúmen a atingir a via biliar de forma directa à cápsula endoscópica, forma bastante menos invasiva de avaliação de todo o tubo digestivo; e ainda à variedade de dispositivos auxiliares que permitem a aquisição de material biológico luminal ou extraluminal ou a cirurgia curativa, por exemplo.
De facto, este desenvolvimento deve(rá) trazer igualmente outras formas de realizar ou olhar a tecnologia endoscópica.
Apesar de mote de discussão, existem já evidências do uso sistemático ou de forma anedótica em cenários anteriormente não defendidos para as diferentes tecnológicas: que papel pode ter a existência de uma cápsula endoscópica noutras áreas além do intestino delgado ou cólon e além do diagnóstico? A observação corrente por uma cápsula do intestino delgado representará um paradigma para outros órgãos e situações? Antevemos cápsulas com possibilidades de uso em situações de rastreio? Ecologicamente viáveis? Com possibilidades terapêuticas? Com outras formas de aquisição de imagem?
Igualmente, teremos nas próximas décadas a realidade quotidiana, hoje apenas realizada em situações limite, da passagem propositada da parede digestiva e a não restrição aos lumens digestivos ou biliares. Mas continuaremos a abordar o extraluminal de forma indirecta ou com visualização directa? Se acima, o desejo é o de ver todo o tubo digestivo e determinar doença “mais diminuta, mais estável, mais longínqua”, igualmente aqui depois do grande entusiasmo com a abordagem cirúrgica por orifícios naturais os resultados que daí advierem focam-se agora na resolução de patologias extraluminais ou transmurais com a endoscopia a mover-se para “a cirurgia luminal, sem orifícios, segura e eficaz”.
Estes temas são relevantes para a educação e treino bem como para as linhas de investigação dos vários Serviços de Gastrenterologia que têm acompanhado estes desenvolvimentos. Em Portugal, os mais recentes desenvolvimentos estão bem implementados e ao serviço dos doentes – existem condições instaladas de prática clínica, treino e investigação do que melhor se faz noutros locais. Estamos certos que se projectarmos discussões, os doentes poderão beneficiar de abordagens menos invasivas, mais cómodas, seguras e eficazes.
“Endoscopia em 2035: Que Futuro Antecipar?” é um dos temas de destaque da Semana Digestiva 2015, que decorre entre os dias 10 e 13 de Junho no Centro de Congressos da Alfândega do Porto.
* Director de Serviço de Gastrenterologia, Instituto Português de Oncologia do Porto;
Professor Catedrático Convidado, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto