Acedendo a uma conhecida rede social, o leitor será confrontado com a questão “em que está a pensar?”. Mas aquilo que partilhamos nestes lugares, muito para além de pensamentos, diz respeito a emoções.
À distância de um breve scroll, poderá encontrar publicações que expressam de tudo: a gratidão pelo novo desafio, a alegria de quem agradece as ternurentas mensagens por mais uma volta ao sol, ou a nostalgia por uma memória deste dia há sete anos. Do lado de fora do ecrã, a realidade nem sempre acompanha as emoções que escolhemos partilhar online. Se o mural das redes sociais for o equivalente digital a uma sala de visitas, que semelhanças terá com o quarto do fundo?
O desafio de adiar a gratificação
“Primeiro, o coração pede prazer / Depois, que a dor doa menos” – são as linhas de abertura de um poema de Emily Dickinson (The heart asks pleasure – first). O que o poema diz em verso é uma ideia já muitas vezes repetida em prosa, incluindo por Freud: o instinto leva-nos a procurar o prazer e a evitar a dor. Até à data este princípio tem corrido bastante bem. Os comportamentos mais importantes para a sobrevivência (como a alimentação ou o descanso) tendem a ser agradáveis, o que torna a tarefa de estar vivo consideravelmente mais fácil. No entanto, há inúmeras circunstâncias em que não é possível satisfazer este tipo de necessidades como se quer ou quando se quer. É preciso adiar o prazer.
Nos anos 70, o psicólogo Walter Mischel e colegas da Universidade de Stanford conduziram um estudo com algumas dezenas de crianças a quem se começava por apresentar um marshmallow. O experimentador anunciava depois que se ia ausentar da sala por alguns minutos e que no seu regresso a criança receberia uma recompensa caso resistisse a comer o marshmallow. O desafio – que muitas destas crianças enfrentaram com dificuldade – estava em adiar a gratificação, ou seja, empurrar para mais tarde o prazer que normalmente se quer imediato.
Numa época em que a eficiência permite que tudo aconteça cada vez mais depressa (e bem), um estudo com 2000 participantes americanos revelou que a causa de frustração digital mais frequente dos utilizadores (80%) está em que a sua internet não é rápida o suficiente. Isto numa altura em que se estima que a velocidade de download no país seja cerca de 8 vezes superior ao que era em 2013. Para os restantes 20% dos utilizadores que não se reportaram aborrecidos pelo ícone de “loading” há boas notícias. A investigação mostra que a capacidade de adiar a gratificação pode associar-se a melhores perspetivas de sucesso académico e até de saúde física e psicológica.
Das emoções positivas à positividade tóxica
Atualmente, as redes sociais oferecem cada vez mais possibilidades para a expressão de emoções. No entanto, como em qualquer espaço público, há emoções que podem ser vistas como mais apropriadas à partilha do que outras. Um estudo da Universidade de Amsterdão sugere que os utilizadores tendem a considerar mais apropriado partilhar emoções “positivas” como alegria ou orgulho do que “negativas” como preocupação ou tristeza. Mas esta perceção pode variar em função das características da rede social, sendo que é em plataformas visuais como o Instagram que se espera encontrar a partilha das emoções mais positivas.
A expressão destas emoções nas redes sociais pode não ser mais que uma manifestação natural do desejo de partilhar com os outros acontecimentos que são bons para nós. As dificuldades surgem quando este simples viés se transforma numa “tirania” do positivo sobre tudo o resto. Isto acontece quanto o otimismo deixa de ser uma abordagem de esperar pelo melhor, mas aceitar o pior, para se transformar numa pressão irrealista para ver o lado positivo de qualquer situação, independente dos dados do contexto. A ideia de que “tudo vai ficar bem” desde que se adote o mindset correto não tem necessariamente adesão a uma realidade onde as perdas, frustrações, fracassos são acontecimentos naturais e expectáveis. Perante essas circunstâncias não é apenas legítimo, mas necessário e apropriado sentir tristeza, zanga, medo, ansiedade, e outras emoções desagradáveis, mas essenciais.
A esta atitude prevalente para manter o “pensamento positivo” em qualquer situação tem vindo a ser designada como positividade tóxica. Apesar de ser um conceito recente, há muitos anos que se conhecem os efeitos negativos de suprimir, negar ou evitar emoções. Em muitos casos, esta atitude leva a que não sejam experienciadas as emoções que resultam da realidade das situações e com isso não há uma mobilização adequada de recursos para lidar com ela. Embora este não seja um problema exclusivo das redes sociais, estas são um terreno fértil para o irrealismo pelo simples motivo de que cada pessoa escolhe partilhar apenas uma cuidada seleção de aspetos relativos a si e à sua vida, por norma no que estes têm de mais favorável. Nesse sentido, a comparação com os outros, que é comum em muitas circunstâncias, assume contornos mais delicados quando está em causa medir o nosso valor próprio por referência a representações extremamente favorecidas do outro.
No equilíbrio está a virtude
Reconhecer e apontar os riscos da positividade tóxica não significa que se defenda a atitude diametralmente oposta. Na verdade, uma das grandes dificuldades da postura dos povos ocidentais tem a ver precisamente com a polarização excessiva das emoções, ignorando que é possível sentir diferentes coisas em relação a uma mesma situação (prazer e culpa, orgulho e receio, interesse e repulsa). Online ou offline, a sabedoria parece residir no equilíbrio e na capacidade de aceitar como naturais os aspetos prazerosos e dolorosos da realidade.
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