Nem todas estas mulheres que trabalham são mães, é verdade. Umas ainda não são e outras nunca foram ou serão. Mas mesmo essas, as que não têm filhos, podem confirmar que as tarefas rotineiras são o pior da vida. Aquelas que ficam para as mulheres, sejam elas mães ou não. Aquelas tarefas que são trabalho não remunerado.
Segundo os dados mais recentes disponibilizados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos 56% do tempo que em que as mulheres estão em casa, sem contar o tempo em que estão a dormir, é ocupado a fazer trabalho não pago, rotineiro, que tem mesmo de ser feito todos os dias ou todas as semanas ou todos os meses.
Eu faço parte das 2.3 milhões de mulheres que, em Portugal, trabalham fora e dentro de casa. Sou casada e tenho filhos, por isso, posso falar no plural. Não um plural majestático, como se eu fosse uma autoridade, que não sou, nem nesta nem noutras matérias, mas um plural real de quem sabe como é a vida da mãe trabalhadora.
As mães trabalhadoras estão, antes de mais divididas por dentro, atormentadas entre a dedicação aos filhos, que sentem que está sempre aquém do que gostariam ou do que se espera delas, e o empenho no trabalho fora de casa, quer seja apenas para não perder um emprego que permite a sobrevivência, quer seja, nas mais afortunadas, para construir uma carreira ou realizar-se numa atividade profissional de que de facto gostam.
As mães trabalhadoras estão, depois, normalmente muito cansadas. Quando os filhos são pequenos, a privação do sono é real e desvalorizada quer pelas próprias quer pela sociedade. Quantas mães, e pais também, sejamos justas, vão trabalhar sem que tenham descansado, às vezes nada mesmo, porque um filho está doente ou simplesmente nem dormiu nem deixou dormir. Mães e pais extenuados quando se apresentam no trabalho na manhã seguinte, mas que se espera sempre que façam o melhor, que não comprometam o trabalho de equipa ou mesmo a segurança e a vida dos outros, no caso de algumas profissões.
Quando os filhos crescem, voltamos a conseguir dormir. E é quando eles já estão mais crescidos que também começamos a deixar de estar tão divididas por dentro, porque já percebemos que é possível compatibilizar o ser mãe e o ser trabalhadora.
É nesta fase da vida que nos permitimos voltar a arriscar nas nossas carreiras, para as mais afortunadas, ou mudar de emprego ou aceitar turnos e horários que nos permitam mais algum rendimento que ajude à sobrevivência da família.
Porque a família sobreviveu. Pode ainda ser ou já não ser a mesma de há uns anos, de quando os filhos nasceram, mas a família sobreviveu (não queria escrever “à custa”, mas é isso que é) pela dedicação da mãe trabalhadora ao trabalho não remunerado. Pela dedicação a tudo aquilo que sabemos tão bem: comprar e confeccionar a comida, tratar da roupa, da louça, da limpeza da casa. Dia sim, dia sim, preocuparmo-nos com os lanches, com a roupa adequada às várias atividades das crianças ao longo do dia, com quem vai levar e quem vai buscar, com o jantar e a máquina de roupa que é preciso estender, com a roupa que é preciso voltar a arrumar nos roupeiros e gavetas, porque ela não nasce lá. Tarefas que nunca acabam.
Para as gerações mais novas, o pai trabalhador enquadra-se também neste retrato e ainda bem. Ainda assim, podem voltar a ver aqui que no caso de casais heterossexuais, ainda há um grande desequilíbrio entre quem faz as tarefas lá de casa.
E agora chega, que é domingo, feriado e isso tudo, mas a máquina da roupa já está a apitar e tenho de ir estender a roupa para aproveitar que está um lindo dia de sol neste 1º de Maio de 2022.
- Texto: SIC Notícias, televisão parceira do POSTAL