Há quase dois mil anos, o mundo assistiu, em Jerusalém, à escolha entre dois homens: Jesus de Nazaré, o pregador da compaixão, e Barrabás, o revoltoso condenado por homicídio. Pilatos perguntou ao povo qual dos dois deveria ser libertado. O clamor popular, instigado por líderes judeus religiosos e pelo medo político, escolheu o violento. O símbolo permanece: quando o poder se curva ao medo e à manipulação, a inocência é sacrificada.
Hoje, perante as imagens de Gaza, a história ecoa tragicamente. A violência voltou a ser preferida à misericórdia. Benjamin Netanyahu, com o seu poder absoluto e as suas decisões devastadoras, simboliza o mesmo dilema moral: o triunfo da força sobre a humanidade.
Nos Evangelhos, Jesus foi entregue às autoridades romanas por instigação de líderes religiosos judaicos que temiam perder influência e ordem social. Não foi o povo judeu quem o condenou — mas sim uma elite que, em nome da “lei” e da “segurança”, preferiu eliminar o que incomodava.
Dois milénios depois, as imagens que chegam de Gaza mostram o mesmo dilema humano, em cenário diferente. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, lidera uma ofensiva militar que tem deixado um rasto de destruição e milhares de vítimas civis — mulheres, crianças e idosos, vítimas colaterais de uma guerra que parece não ter fim.

A ONU, a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch denunciaram ataques indiscriminados, bombardeamentos de zonas habitadas e bloqueios humanitários que impedem a chegada de água, comida e medicamentos. Em nome da segurança nacional, repete-se a velha lógica da força sobre a compaixão.
Barrabás renasce nas escolhas de hoje
A comparação entre Barrabás e Netanyahu não é teológica, mas moral. Barrabás simboliza o poder que mata para se manter; Jesus representa o poder que se entrega para salvar. E a história mostra que, demasiadas vezes, continuamos a escolher o primeiro.
O líder israelita age hoje com a mesma lógica que dominou os líderes religiosos que instigaram a morte de Jesus: a do medo travestido de autoridade. Em vez de procurar a paz, multiplica a violência. Em vez de proteger a vida, perpetua a morte.
O mundo assiste, uma vez mais, ao espetáculo de um poder político que se julga ungido para decidir quem vive e quem morre. E o silêncio das nações, cúmplice, calculado, diplomático, ecoa o mesmo silêncio de Pilatos, lavando as mãos perante o sofrimento dos inocentes.
O editorialismo não deve confundir história com religião, nem política com fé. Mas deve lembrar que as lições morais do passado só têm valor quando nos obrigam a olhar o presente. O julgamento de Jesus foi o resultado do medo de perder o poder; a tragédia de Gaza é o resultado da incapacidade de o poder reconhecer a humanidade do outro.
Quando um líder escolhe a violência sobre a misericórdia, o castigo sobre o diálogo e o cerco sobre o entendimento, Barrabás volta a ser libertado. E a história, trágica, repete-se.
O verdadeiro sentido da Páscoa não é religioso apenas é humano. É a recordação de que cada sociedade é julgada pelas suas escolhas.
Hoje, entre o grito pela segurança e o clamor pela vida, a humanidade volta a decidir. E cada bomba lançada sobre Gaza é mais um prego simbólico na cruz da consciência coletiva.
De Barrabás a Netanyahu, o eco trágico da história é o mesmo: o poder sem compaixão é sempre o poder que crucifica a inocência.
Nota editorial:
Este texto expressa a posição do Postal do Algarve enquanto órgão de comunicação social comprometido com os direitos humanos, a justiça e a liberdade de consciência. Criticar um governo ou um líder nunca é atacar um povo. O jornal reafirma o seu respeito por todas as religiões e pela dignidade humana de todos os povos, incluindo o israelita e o palestiniano.
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