Esta prematura Primavera hoje não me deixa em paz. A sinfonia de pardais, inconscientes da Covid-19, saltitando entre ramos e instintos básicos, e o sussurrar do baloiço das canas junto à ribeira, sendo um privilégio para poucos, desassossegam-me! Já há muito que não chove por estas bandas, a seca no Algarve continua a acentuar-se. Muito se tem discutido nos media sobre novidades tecnológicas e origens alternativas de água doce, para que na ribeira a vida continue, e com ela as canas balancem, marcando o ritmo da sinfonia sob a regência da mãe Natureza.
Mas alheio a toda esta harmonia, surgiu recentemente um novo protagonista, uma partícula vírica, muito mais pequena do que o frasco do pior veneno ou do melhor perfume, porque afinal a natureza nem sempre é mãee também ela se defende quando sujeita a pressões extremas. A demografia das últimas décadas, a exploração desenfreada dos recursos naturais, o amontoar da vida nas cidades, o ar poluído que respiramos e os alimentos plastificados, entre tantas outras coisas, baralharam a lógica dos ciclos naturais, neste planeta cada vez menos azul.
Medito sobre a minha atribulada experiência nesta quase meia centena de anos, porque o tempo ainda não se inverte, e no erro que teimo em repetir, presumindo que com trabalho, imaginação e rigor resolvemos tudo…e cá estou, mais uma vez a ver-nos tropeçar, sem perceber se depois da queda nos iremos levantar.
Hoje, cansada de ouvir notícias já previsíveis há semanas, na teimosia de não me dar por vencida, foco-me em encontrar respostas justas e eficazes, e pergunto-me neste momento de isolamento social, se haverá edifício, ou mesmo cidade, capaz de enclausurar a verdadeira natureza humana. Por muito que nos isolemos, nunca estamos sozinhos, há sempre algures, algo, alguém, capaz de mexer connosco e condicionar o que nos espera.
Os próximos tempos serão de espera, o que não pode significar medo e impotência, mas sim o inconformismo característico dos que sabem esperar… isto é, dos que têm esperança, e que por isso não desistem! Este não desistir pode ter tantas formas, pode ser assumido por tantos de nós, em tantos locais, dentro ou fora das clausuras a que a vida nos vai sujeitando. Não me saem da ideia uma mão cheia de amigos, profissionais de saúde, que longe dos seus, tudo arriscam pelo outro. Não me saem da ideia as consequências para todos nós, da falta de coragem daqueles que não deviam temer tomar (algumas) decisões cruciais, supostamente em prol de um mundo sem fronteiras, mas que ao invés, com a sua falta de coragem, cada vez mais nos aprisionam a este flagelo.
O meu percurso profissional faz-me acreditar no conhecimento científico e nos avanços tecnológicos. Num século em que os computadores são quânticos e a genética se programa, num mundo global, de gentes e culturas tão distintas, pergunto-me se resolver esta calamidade será um desafio meramente científico ou tecnológico. Temo bem que não, e isso aumenta a complexidade da situação. Será preciso envolver toda a sociedade, sem deixar ninguém para trás, lembrando-nos que não podemos deixar de ajudar o próximo, sobretudo se, por algum motivo, estiver mais cético ou vulnerável.
Estes tempos devem ser de reencontro com os nossos e de reflexão… sobre a forma como temos vivido nas últimas décadas, como nos temos (des)organizado, sobre o que é realmente importante para a nossa qualidade de vida, e finalmente do que queremos preservar.
Quanto à esperança…acredito que permanecerá em nós enquanto houver Homens que não desistam de ajudar o próximo, porque encontram sentido para o que são na existência do outro.
Dentro da nossa diversidade, todos nós podemos ajudar o próximo, nem que seja com um sorriso não retribuído. Nos meandros da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico, haja coragem para se parar outros projetos que, sendo importantes, não são nesta fase essenciais e, como tal, podem esperar. Se esta espera servir para alocar tempo e recursos para o desenvolvimento de novas valências tecnológicas que nos permitam vencer o vírus e salvar mais vidas humanas… fantástico século XXI!