A peça teatral Catarina e a Beleza de Matar Fascistas estreou no Centro Cultural Vila Flor, a 13 de Setembro de 2020, mas só este ano foi materializada em exemplares nas livrarias. A propósito da ameaça da ascensão das extremas-direitas na Europa, retrata a problemática da legitimidade do uso da violência na defesa da democracia, enquanto pisa frágeis margens do aceitável e do apelo à violência.
Esta peça teatral convida-nos a mergulhar numa aflitiva e intensa reflexão moral sobre a maneira de combater o fascismo: existe outra maneira viável e menos radical de o defrontar?
A narrativa passa-se em 2028, nos primeiros anos de um governo extremista e conservador, em que as minorias são desprezadas, o jornalismo virtual controlado, os sindicatos e o aborto em risco de ser proibidos e a violência doméstica retratada como um mito. Por oposição, a família tradicional é louvada num antagónico desdenho pelo divórcio, mães solteiras, e o casamento gay. Este grande sonho despótico gira em torno da criação de uma nova Constituição para aquela que será a “Nova república”. Nesta sequência, conta a tradição de uma família que faz “cair um fascista que não tenha feito nada ao ver cair uma mulher”, cometendo um homicídio por ano em homenagem a Catarina – inspirada na figura de Catarina Eufémia, militante do PCP e assassinada em 1954, enquanto dava corpo a uma greve contra a exploração laboral.
“A partir deste dia, todas vós, as que nascerdes do meu sangue, sereis Catarina. Se sois moças, sois Catarina. Se sois rapazes, como este menino que seguro ao colo, sois Catarina também”. O grupo procede assim ao rapto de um deputado fascista que provoca uma montanha-russa de incessantes dúvidas e hesitações por Sara Catarina, na sua vez de matar.
A figura do fascista é inspirada na resolução do Juiz Neto de Moura, quanto ao polémico caso da desculpabilização da agressão de um homem a uma mulher que lhe foi adúltera. “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem (…) Na bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte” escreve assim no acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
O produtor encurrala-nos perante a decisão de não proceder com tolerância sobre os intolerantes que a ameaçam destruir, de trocar uma conduta pacifista e passiva por uma violenta e ativa, renovando constantemente o dilema que paira ao longo da peça: anular o movimento opressor pelo derrame de sangue ou seguir meios mais leves e correr o risco de sermos afogados por ele?
Tiago Rodrigues justifica o processo no alcance do resultado, superiorizando o valor da liberdade ao valor da vida e perspetivando a morte como conditio sine qua non da salvação ao fascismo. Adota uma des-personificação dos homens fascistas “Quantos homens já mataste? Não são homens, são fascistas” e acusa a democracia de não ter ferramentas de combate a estes regimes.
Esta peça teatral convida-nos a mergulhar numa aflitiva e intensa reflexão moral sobre a maneira de combater o fascismo: existe outra maneira viável e menos radical de o defrontar?
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