A colecção Retratos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), traz-nos «um olhar próximo sobre a realidade do país». Cobras, lagartos e baratas – Os melhores amigos do homem?é um retrato contado por Ana Daniela Soares, que viu, ouviu e viveu de perto como os portugueses cada vez mais escolhem répteis, insectos ou anfíbios como animais de estimação, naquele que é um mercado em crescimento – além de que o tráfico de vida selvagem é um dos mais lucrativos, depois do tráfico de drogas e de pessoas (p. 91). Ainda que a companhia doméstica de bichos exóticos possa surpreender e até arrepiar alguns dos leitores – até porque um animal de estimação hoje pode também considerado um parceiro –, este pequeno livro é um trabalho surpreendentemente isento de qualquer juízo de valor, em que a autora reparte em diversos capítulos o que resultou da sua pesquisa, nomeadamente das conversas com tutores, criadores, biólogos (como Élio Vicente, do parque temático Zoomarine), consultores em bem-estar animal, proprietários de lojas de animais e veterinários, de modo a revelar este «admirável mundo novo dos animais exóticos de estimação» (p. 10).
Em Portugal, onde se chegou a vender 400 mil tartarugas por ano, há até quem tenha ouriços ou furões. Hoje é legal «ter como animais de companhia determinadas espécies de aranhas, escorpiões, lagartos, cobras, mamíferos como suricatas ou petauros-do-açúcar e até baratas-de-madagáscar, as quais podem atingir 10 cm» (p. 10)…. Contudo, neste Retrato descobriremos histórias bastante mais insólitas que ocorrem em Portugal: pitões encontradas abandonadas na natureza, com 20 kg de peso e 1,70 m; crocodilos recolhidos na Barragem de Castelo de Bode com 1,5 m; uma mulher que passeava um elefante pelo Algarve (para sermos claros, tinha 4 m de altura e 4.000 kg); clientes que compram enganosamente mini pigs (moda que começou com George Clooney) que atingem os 100 kg; um senhor, em Portugal, que tinha um casal de leões adultos na sala (apesar das fiscalizações que ocorrem quando surgem denúncias para a apreensão de grandes felinos é preciso ter um mandado; nos EUA, por exemplo, vivem 300 tigres como animais de estimação); pode comprar uma formiga por 500 euros e colónias a vários milhares de euros.
Estes animais exóticos são, muitas vezes, sobretudo para contemplação
É bom ressalvar que estes animais exóticos são, muitas vezes, sobretudo para contemplação, até porque não se deixam manear, pois são de gerações de cativeiro ainda muito recentes, ao contrário de animais domésticos, como os cães, que co-evoluíram com o homem ao longo de centenas de milhares de anos. São animais selvagens, cuja proximidade podem dar aos seus cuidadores, erradamente, a sensação errada de que podem manifestar afecto (p. 12). Além de que, quando se tornam demasiado grandes para estarem contidos num apartamento, e são libertados na Natureza, há que ter em conta que eles não estão preparados, depois de criados em cativeiro, para viver livremente e são um risco biológico e ecológico para o nosso ecossistema, inclusive os aparentemente inofensivos peixes vermelhos de aquário ou as tartarugas que podem colocar em risco espécies endémicas como o cágado…. Hoje, aliás, gasta-se mais a erradicar espécies exóticas do que na prevenção dos cuidados a ter com a natureza… (p. 52)
Ana Daniela Soares é licenciada em Enfermagem e em Ciências da Comunicação. Integrou os quadros da RTP em 2004. Apresentou e fez reportagem em vários programas, concertos e emissões especiais na Antena 1 e Antena 2. Apresenta desde 2010 a rubrica À Volta dos Livros, transmitida de segunda-feira a sexta-feira, às 17:40 horas e às 21:20, na Antena 1. Em 2013, foi distinguida com o Prémio Pró-Autor, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores. Desde 2015 integra o canal de informação RTP 3 onde coordena e apresenta o programa Todas as Palavras.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de maio)