O isolamento social como um fator de segurança
De forma surpreendente, a nossa população cumpriu exemplarmente as indicações no sentido do seu confinamento, demonstrando um grande sentido cívico. Os idosos estão em casa, até por vezes, excessivamente isolados, as cidades estão mais vazias, e a circulação rodoviária é muito menor. Ninguém questiona que o isolamento social se constituiu como um fator de segurança do ponto de vista sanitário.
Porém, quem por acaso circulou a pé mesmo que por trajetos curtos, pelas ruas na cidade de Faro, quase inevitavelmente se encontrou com um sem-abrigo, ou alguém a pedir esmola. Não são poucos, e agora com as ruas vazias, salientam-se, não existindo, provavelmente, casas-abrigo para este tipo de população. Não existem reações suficientemente fortes por parte do Estado para este tipo de população indigente, verificando-se apenas uma solidariedade ocasional.
Por outro lado, os pequenos egoísmos salientam-se relativamente ao emprego, ao teletrabalho, ao dever que ficou por cumprir, à visita ao próximo que não se fez, ao espaço familiar que se reduziu ao núcleo. Na verdade, a saúde pública é uma condição que se sobrepõe a tudo o resto, pelo que o isolamento social só pode ser considerado como uma medida excecional e transitória, porque o custo é elevadíssimo, em termos sociais, económicos e humanos.
As cidades pós-Covid e a problemática dos espaços verdes
Perante tão grave crise, ficou patente que será importante planear de forma adequada, com o justo equilíbrio entre os espaços construídos e os vazios, com espaços verdes inseridos nas malhas urbanas, e com uma densidade urbanística equilibrada. A qualidade das nossas cidades é agora colocada à prova, de forma a que seja possível, percorrer as ruas, sem congestionamento, fazer um exercício físico individual em parques verdes largos e amplos, ou ir ao centro comercial ao ar livre.
Estamos na fase das revisões dos PDM´s no Algarve, pelo que será importante a ponderação da qualidade e da proporção dos nossos espaços verdes, e do seu correto dimensionamento. A importância das árvores e dos espaços lúdicos é agora reforçada, impondo-se a necessidade de criar um fator de dimensionamento apropriado ao nosso clima, sociedade e território.
Os arquitetos são chamados a ter um papel ativo neste planeamento, sendo aqueles que mais qualificados estão para a construção da cidade. Este saber deverá ser empregue em cada caso, tendo por base a análise da envolvente onde irá intervir a exposição solar, as vistas, o tipo de sistemas construtivos que utiliza, os valores arquitetónicos em presença e, sobretudo, com a qualidade do espaço que irá proporcionar. Construir edifícios e cidades saudáveis é complexo e não existem regulamentos e regras suficientes que possam produzir a qualidade de vida gerada por um edifício ou um espaço público bem projetado. Os regulamentos podem evitar o pior, mas não geram o melhor. A qualidade é gerada pelo correto posicionamento de todos os elementos face ao problema em causa, ou ao objetivo pretendido. Daí, a arquitetura é uma arte e uma técnica simultaneamente, que deverá ser respeitada e estimulada por todos, mas sobretudo pela nossa administração pública.
O ato de projeto como fator de salubridade das cidades
A realidade é que a maior parte da produção de projetos públicos é hoje feita normalmente internamente pelas próprias autarquias, existindo pouca encomenda externa. Acontece que os próprios técnicos municipais estão, por vezes, extremamente sobrecarregados e é-lhes exigido um esforço extra de produção de projetos e planos, o que não abona à qualidade e à diversidade, por manifesta falta de tempo e recursos.
Os decisores das nossas cidades devem agora refletir se a salubridade das nossas cidades, com um planeamento de pormenor, e de diferentes escalas, não merece mais e melhor. Esse desafio que nos é agora apresentado, após a crise, deverá ser uma oportunidade para que possa ser dado um papel a outros intervenientes, e estes possam projetar uma visão apropriada, tanto no espaço público, como na mobilidade, ou nos edifícios.
Será fundamental a criação de parcerias entre autarquias, Estado e entidades credíveis como a Ordem dos Arquitetos, por exemplo, para que haja um posicionamento correto face ao que será necessário fazer tanto em termos de legislativos como em boas práticas, na área do Planeamento e da Construção, com vista a um melhor desempenho na saúde pública.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de maio)