Um dia perguntaram a Carlos do Carmo qual era o melhor álbum jamais feito em português. Ele respondeu ”Vou nomear dois, Cantares do Andarilho e Cantigas do Maio”.
Os dois álbuns são da autoria de José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, mais conhecido por Zeca Afonso.
Agostinho da Silva disse o seguinte “Poeta é aquele que consegue juntar música e palavra”. Nesse sentido, Zeca Afonso foi um poeta sublime, um ser iluminado.
As suas composições tinham influências do fado de Coimbra, da música tradicional, do canto popular e dos ritmos africanos que ele teve contacto em Angola e Moçambique.
As suas palavras eram inspiradas na poesia do seu ser.
O tema “Cantigas do Maio” tem uma melodia lindíssima “Eu fui ver a minha amada lá p´rós baixos dum jardim dei-lhe uma rosa encarnada para se lembrar de mim”.
O tema “Vejam bem”, é belíssimo “Vejam bem que não há só gaivotas em terra quando um homem se põe a pensar, quando um homem se põe a pensar, quem lá vem dorme à noite ao relento na areia dorme à noite ao relento no mar, dorme à noite ao relento no mar, e se houver uma praça de gente madura e uma estátua e uma estátua de febre a arder, anda alguém pela noite de breu à procura e não há quem lhe queira valer e não há quem lhe queira valer”.
Para além do seu talento artístico, tinha uma consciência social que o levava a ser um cidadão de eleição, onde a coerência das suas ações atraia a admiração de muitos.
O seu tremendo sentido de justiça fez com que caminhasse sempre ao lado dos mais desfavorecidos, o seu verdadeiro partido era a solidariedade.
A sua composição musical refletia muito a ideologia das lutas sociais em que se envolveu, tornando-se assim num portentoso cantor de intervenção.
A música “Grândola Vila Morena” tornar-se-ia na senha do 25 de Abril de 1974.
“Grândola Vila Morena, Terra da Fraternidade, o povo é quem mais ordena, dentro de ti ó cidade”.
Um dos maiores desafios de quem compõe música é articular a letra com a melodia, nas canções de Zeca Afonso a qualidade das letras das suas músicas estavam sempre ao nível da qualidade da melodia.
Isso só está ao alcance de uma pessoa única com características muito especiais.
Em termos académicos cursou Ciências histórico-filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Na sua atividade profissional foi professor em Mangualde, Alcobaça, Aljustrel, Faro e em Lagos na Escola Comercial e Industrial Vitorino Damásio em 1957. Foi homenageado pela Câmara Municipal de Lagos, que colocou o seu nome numa rua.
Foi proibido de lecionar quando estava em Setúbal, o que fez com que mergulhasse ainda mais nas suas composições e nas suas lutas sociais.
Nos anos subsequentes, o seu talento para a música e a firmeza com que defendia a justiça social, fez com que se tivesse tornado, tal como está escrito num azulejo da casa onde viveu em Coimbra, no grande “trovador da liberdade”. “Em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade, o povo é quem mais ordena dentro de ti ó cidade”.
Uma das situações mais arrepiantes que tive conhecimento em termos artísticos foi um dos últimos concertos do Zeca, no Coliseu em Lisboa quando ele já estava muito doente, sendo o concerto uma espécie de despedida e ele cantou a balada do Outono “Águas passadas do rio meu sono vazio não vão acordar, Água das fontes calai ó ribeiras chorai que eu não volto a cantar, rios que vão dar ao mar deixem meus olhos secar, água das fontes calai ó ribeiras chorai que eu não volto a cantar, águas do rio correndo poentes morrendo para as bandas do mar, água das fontes calai ó ribeiras chorai que eu não volto a cantar”.
Vais cantar sempre Zeca e o teu canto ecoará pelo país e irá espalhar a justiça e a fraternidade, para sempre.