Para um grande número de pessoas, esta fase do ano significa o fim de um ciclo de trabalho. Mas a merecida pausa pode também ser aproveitada para pensar e refletir em como poderemos fazer melhor quando se iniciar o próximo ciclo após as férias. Numa época em que se impõe a recuperação (e a resiliência), e num mês em que, curiosamente, se assinalam os 100 anos em que se comemora o Dia Internacional do Cooperativismo, decidi partilhar algumas reflexões que vão surgindo a partir da minha experiência profissional pautada pelo trabalho com muitas e diferentes pessoas, nas mais diversas equipas, projetos, organizações e comunidades.
O quadro de reformas e investimentos inscritos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) exige de todos/as a capacidade de recuperar e reconstruir melhor num mundo e num tempo caracterizado pela complexidade dos problemas e das soluções.
Segundo os teóricos, um sistema complexo é um conjunto de elementos e relações que desempenham algumas funções coletivas e, que para tal, se organizam de forma ordenada. As propriedades de um sistema complexo são: o número elevado de elementos, a interdependência, a não-linearidade, o elevado nível de conetividade e a capacidade de autonomia e adaptação. Alguns exemplos de sistemas complexos são os ecossistemas e os grupos sociais. E sistemas complexos geram problemas complexos, tais como os problemas relacionados com a pobreza, os cuidados de saúde, as alterações climáticas e o crime cibernético, só para dar alguns exemplos.
Hoje é bastante consensual que estes problemas exigem colaboração, cooperação e uma intervenção articulada. A colaboração é a única estratégia que permitirá enfrentar a complexidade dos desafios que as organizações dos mais diversos sectores enfrentam hoje em dia. Os maiores desafios que temos pela frente não podem ser resolvidos apenas por uma organização, exigem a colaboração entre várias. E tudo isto é ainda mais relevante quando os recursos são escassos… Desde há muito tempo que a humanidade percebeu que fazer coisas de forma isolada não traz tantos benefícios, nem é tão eficiente ou eficaz, como quando trabalhamos uns com os outros. Termos como parceria, trabalho em rede e tantos similares, fazem parte do nosso léxico quotidiano desde há várias décadas.
Também os dezasseis Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) são rematados por um décimo sétimo – as parcerias para a implementação dos objetivos – através do qual se pretende reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Mas, será que nos lembramos de tudo isto no nosso dia-a-dia? Ou continuamos a trabalhar com alguma dose de individualismo, procurando relações lineares de causa-efeito para os problemas e para as soluções que construímos? Será que somos capazes de privilegiar uma lógica sistémica em detrimento de uma lógica linear? É fácil promover a colaboração em vez da competição? Será que sabemos, realmente, trabalhar em parceria? Como é que cada um de nós contribui para esta causa?
De facto, os obstáculos à colaboração também existem e podem (devem) ser identificados: a gestão e/ou proteção de interesses institucionais e individuais; o medo da perda de controlo, de autonomia e de recursos; a falta de confiança; o desequilíbrio de poder; a ausência de uma recompensa imediata pelo trabalho colaborativo; a falta de tempo; a falta de reciprocidade, entre outros.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) tem incentivado o trabalho em rede junto dos/as psicólogos/as com quem tem contactado no terreno através das mais diversas iniciativas. Desde a publicação das “Recomendações para a Prática de Intervisão em Psicologia” (consultar https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/recomendaa_a_es_para_a_pra_tica_de_intervisa_o_em_psicologia.pdf), tem sido com enorme satisfação e agrado que tenho assistido à multiplicação de redes de psicólogos/as na região do Algarve e um pouco por todo o país. Estas redes têm assumido as mais diversas configurações e formatos: ora de âmbito concelhio, ora de âmbito regional; umas ligadas a uma área específica de intervenção assegurando a representatividade geográfica, outras pretendendo localmente a representação intersectorial; algumas organizando-se para a discussão de temas relevantes para a prática profissional, outras refletindo acerca de problemas comuns e emergentes, procurando soluções conjuntas e integradas. Estes grupos ou redes promovem espaços de encontro e de reflexão periódicos e apesar de cada um deles espelhar uma identidade muito própria, todos apresentam valores em comum – a colaboração, a cooperação e o trabalho em rede em prol do bem-estar das comunidades locais e das pessoas para quem trabalham (e já agora, dos profissionais que neles participam). Desde instituições ligadas à educação e à saúde, até às autarquias e a outras organizações da comunidade, todas se articulam regularmente através dos seus profissionais, concretizando um dos mais determinantes Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável até 2030.
O esforço conjunto que se impõe atualmente no sentido da recuperação e da reconstrução exige que o façamos juntos, mobilizando-nos individualmente e às organizações nas quais trabalhamos para a verdadeira colaboração e trabalho de parceria. Face a problemas complexos, a ação isolada de cada um de nós ou de cada organização será cada vez mais insignificante. Sozinhos faremos cada vez menos, juntos poderemos fazer cada vez mais e melhor. E há tanto por fazer…
Ao ditado popular “Cada macaco no seu galho”, acrescente-se “mas, todos na mesma árvore!”. Recordemo-nos desta nova versão do antigo ditado quando reiniciarmos o nosso próximo ciclo laboral. Sejamos mais colaborantes, mais cooperantes e trabalhemos de forma mais articulada, deixando de lado protagonismos egóicos, celebrando o sucesso e dividindo o fracasso, colocando-nos ao serviço de um propósito maior, trabalhando no verdadeiro sentido da palavra parceria.