As questões relacionadas com o trabalho são, sem dúvida, uma fonte de preocupação e debate, quer a nível político, sindical, organizacional ou individual e abrangem diversas temáticas, desde modelos de trabalho, desemprego, legislação laboral, riscos psicossociais, entre outros, fazendo parte dos programas eleitorais dos mais diversos partidos candidatos às eleições legislativas de 30 de janeiro último.
Apesar de todo este debate, o assédio moral no local de trabalho, que afeta física e psicologicamente inúmeros trabalhadores e que, apesar de ter havido uma evolução legal e mediática nos últimos tempos, ainda é levado pouco a sério pelos líderes e pelas organizações, permitindo que inúmeros trabalhadores continuem a sofrer em silêncio.
Como exemplo, imaginemos um colaborador, a exercer há muito tempo as suas funções com grande satisfação e elevada motivação, que se levantava entusiasmado para ir trabalhar e, um certo dia, surge uma mudança na sua chefia direta e esta, de uma maneira repetitiva e constante, começa a criticá-lo agressivamente por tudo e por nada, em frente aos colegas, desencadeando neste colaborador sintomas de ansiedade, perturbação do sono, stresse, burnout, entre outros. Estaríamos, assim, perante um caso de assédio moral.
Segundo a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), “o assédio é moral quando consistir em ataques verbais de conteúdo ofensivo ou humilhante, e físicos, ou em atos mais subtis, podendo abranger a violência física e/ou psicológica, visando diminuir a autoestima da vítima e, em última análise, a sua desvinculação ao posto de trabalho”.
O assédio moral em Portugal é proibido, de acordo com a Lei n.º 73/2017 de 16 de agosto, e sempre que as empresas tenham sete ou mais trabalhadores, são obrigadas a adoptar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sendo que poucas o estão a cumprir.
Em 2015, foi elaborado um estudo nacional sobre assédio moral e sexual no local de trabalho em Portugal (Torres et al, 2016), verificando-se que tanto o assédio sexual como moral são muito expressivos e superiores em comparação com a média dos países europeus. Especificamente, no assédio moral, registou-se 16,5 % em Portugal, enquanto na média dos países europeus foi de 4,1%, em 2010.
Com exemplos de assédio moral, podemos referir várias situações: “é-lhe vedado o acesso a informação que afeta o seu desempenho profissional; é humilhado ou ridicularizado relativamente ao seu trabalho; é-lhe exigida a realização de trabalhos claramente abaixo do seu nível de competência; são espalhados rumores e mexericos sobre si; gritam consigo ou é alvo de comportamentos coléricos e de raiva; é alvo de comportamentos intimidativos, tais como invasão do espaço pessoal, empurram-no “sem querer” ou bloqueiam-lhe o caminho; as suas opiniões ou pontos de vista são ignorados; entre outros.
Este assédio, constante e regular, pode ter consequências nefastas para o trabalhador, tais como: depressão, ansiedade, perturbação do sono, isolamento, exaustão emocional, problemas familiares, dificuldades de concentração, lapsos de memória, entre outros.
A Psicologia e os Psicólogos podem ter aqui um papel preponderante, no combate ao assédio moral, atuando em dois níveis: a nível mais individual, prestando apoio psicológico/psicoterapêutico ao assediado e a outro nível, mais organizacional, trabalhando ao nível do ambiente de trabalho, promovendo acções de sensibilização e formação sobre esta temática, na gestão de conflitos, elaborando e propondo códigos de conduta e fazendo regularmente avaliações e intervenções.
A Ordem dos Psicólogos Portuguese lançou o “Prémio Healthy Workplaces – Locais de Trabalho Saudáveis”, cujo objectivo é reconhecer e distinguir as organizações portuguesas com contributos notáveis e inovadores para a segurança, o bem-estar e a saúde (física e psicológica) no local de trabalho. Como tal, irá distinguir aquelas que mais tenham, efectivamente, demonstrado um forte empenho na prevenção dos riscos psicossociais e promoção de locais de trabalho saudáveis e saúde ocupacional, estando as candidaturas abertas até ao dia 18 de fevereiro de 2022 (https://maisprodutividade.org/healthyworkplaces/).
No caso de um trabalhador sentir que está a ser alvo de assédio moral, é importante de imediato estabelecer limites, informando logo o assediador que não gostou dessa abordagem. Por outro lado, se continuar, é importante recolher provas (emails, testemunhas,…) para poder passar à fase seguinte que é a denúncia do assédio, internamente na Organização, junto da Autoridade para as Condições no Trabalho ou na Inspeção Geral de Finanças (sector público). Durante este processo, é muito importante falar com alguém próximo sobre o que se está a passar e não ficar sozinho em sofrimento, existindo sempre a possibilidade de pedir apoio médico ou psicológico.
Esta é uma situação dramática no mundo laboral! Reporta grande sofrimento para o trabalhador assediado, mas também com repercussões negativas no ambiente e produtividade das empresas.
Exige-se uma mudança de mentalidades e práticas a todos os níveis, através de uma responsabilidade partilhada, activa e transformadora, em que as empresas e os líderes assumam a preponderância do seu papel, o Estado assuma-se como fiscalizador e, por outro lado, os trabalhadores devem/têm que estar atentos a sinais de colegas assediados e mostrarem uma atitude pró-activa de ajuda e solidariedade.
* Vogal da Delegação Regional do Sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses