A Vida Extraordinária do Português que Conquistou a Patagónia, de Mónica Bello, publicado pela Temas e Debates e Círculo de Leitores, livro de não-ficção que tem mais de romance do que de biografia, é a reescrita de uma vida, com a poética inventiva e a prosa pujante próprias da literatura. Ainda que suportada por documentos oficiais, cartas, relatos, fotografias, biografias de seus contemporâneos e entrevistas de viva voz com aventureiros que ainda se terão cruzado em vida com José Nogueira, Mónica Bello reinventa a seu bel-prazer a vida do (segundo) português mais conhecido na Patagónia, terra de fim do mundo a que Fernão de Magalhães emprestou o seu nome ao atravessar o estreito.
Como tantos portugueses desta e de outras épocas, José, nascido em 1845, parte (aos 12 anos) um pouco por acidente pelo mundo fora, e era (até à publicação deste livro) mais conhecido no Chile do que em Portugal, como um dos fundadores da Patagónia. Neste documento historiográfico – pontuado por «Terá sido», «Pode ser», «Pode até ser», «Talvez» – «todas as hipóteses e outras ainda podem ser verdadeiras» (p. 45). Indiscutivelmente verdade é que, após anos em alto-mar, terá desembarcado em 1866 «para assentar casa a meio-caminho entre dois oceanos, nove minutos a sul do paralelo 53, na margem norte do estreito de Magalhães – Punta Arenas, então o lugar mais austral do Planeta habitado em permanência» (p. 52).
O nosso explorador instala-se nessa colónia penal, dominando a caça de lobos-marinhos no Pacífico Sul por mais de 15 anos, com uma média anual de 4 mil peles que exportará para Londres; às peles, junta o negócio ocasional de salvados e fretes-marítimos, constituíndo uma frota que o torna o primeiro armador da zona; abre um pequeno armazém que se converte na casa de comércio mais próspera de Punta Arenas; descobre ouro; e quando o governo chileno lhe entrega um milhão de hectares na Terra do Fogo, área deserta e gelada onde nada cresce, mas que José Nogueira teria de pôr a produzir sob risco de a perder, lembra-se de criar ovelhas – que se transformam numa «fonte inesgotável de lã pura que a Europa pagava a bom peso de ouro» (p. 19).
Alternando entre o presente e o passado, a autora perde-se muitas vezes nas malhas de outras histórias que com esta se cruzam, fazendo deste livro o testemunho de vida de um extraordinário lusitano, mas também um relato fundacional da Patagónia, num amplo quadro dessa desolada terra de estrangeiros, aventureiros, índios, deserdados, marinheiros e caçadores.
«Os homens que vivem no Sul dizem que para lá do paralelo 40 não há lei. E que para além dos 50 graus, nem Deus existe.» (p. 51)