“Toda a nossa vida vai sair transformada depois desta covid, e ainda estamos a meio da pandemia. As transformações vão ser consideráveis em cada um de nós pela forma como reagimos à situação… mesmo para as pessoas que conseguiram sobreviver, através das vacinas ou do extraordinário cuidado sanitário, as transformações vão ser notáveis no que diz respeito ao dia a dia, à forma como nos relacionamos, como trabalhamos e dos cuidados que temos de ter quando estamos com os outros.”
António Damásio, neurocientista, director do Instituto do Cérebro e da Criatividade, EUA
O mundo está mais desigual em 2022? A pandemia Covid-19 mostrou-nos o fosso entre os países desenvolvidos e outras regiões do planeta, desta realidade resultou um ricochete de variantes virais.
“Criar sociedades justas e sustentáveis” ouvimos nos discursos sobre transição climática e digital, contudo a gestão dos recursos mundiais e nacionais, os modelos de produção e consumo continuam inalterados. A “crise” tem sido um biombo conceptual para esconder a falência de sistemas baseados em taxas de crescimento da produção e dos consumos, com escassas preocupações ambientais e sociais.
A “transição climática e energética” exige ordenamento racional do território, medidas que protejam a biodiversidade e os recursos naturais, em especial os hídricos, segurança alimentar, legislação não permissiva, em suma políticas correctas de ambiente.
A transição climática aponta para a “economia verde e sustentável”, mas ao viajarmos por todo o lado vemos práticas produtivas que degradam o ambiente.
A “transição digital” permite maior velocidade no acesso à informação, deslocalização e interdependências, mas é evidente que está a ser usada para atingir direitos colectivos e individuais como a privacidade. O cidadão algoritmizado ou aceita regras ditadas por grupos da dita “nova economia” ou será excluído, é um “tecno-feudalismo ou capitalismo de vigilância” que “reduz a liberdade, compromete a saúde mental e ataca a democracia”(Soshana Zuboff), está fora de controlo internacional, político, fiscal e social.
Há uma transição necessária e incontornável, a transição cultural.
As comunidades humanas foram durante séculos orientadas por normas sócio-religiosas, por costumes que conflituaram com os direitos e liberdades, mas eram sociedades rurais, com menor dimensão demográfica, longe dos 7 mil milhões actuais.
Nos séculos XIX e XX, a revolução tecnocientífica trouxe a produção intensiva, o positivismo e o determinismo histórico, o “progresso irreversível”. O antropocentrismo foi e é a educação dominante, tudo está ao serviço do homem, recursos da natureza, animais, plantas, territórios, oceano, até o futuro é nosso…
O futuro não existe senão como categoria filosófica, usada por messianismos antigos e contemporâneos, a situação actual apresenta-nos muitos aspectos de involução.
Aspirações da humanidade encontram-se inseridas na Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU a 10 de Dezembro de 1948. A Declaração foi e é um avanço extraordinário, integra as Constituições de muitos países, os direitos políticos, de infância e família, de género, étnicos, sexualidade, religião, educação, trabalho, emigração, habitação e outros como a protecção do património natural e da diversidade cultural.
A transição cultural é a defesa e aprofundamento dos valores de liberdade individual e de vida colectiva digna, são políticas publicas para a cultura alternativas à ideologia do mercantilismo massificador, do consumo fidelizado, padronizado e acrítico.
A transição cultural é a consciência transformadora das relações ambientais e sociais.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico