Estar reformado significa estar na última fase da espera. Todos nós passamos a vida a esperar alguma coisa. Esperamos ser adultos, esperamos ter uma vida feliz e agradável, esperamos ser ‘alguém’, ter sempre emprego e chegar à reforma.
A nossa vida é uma sucessão intricada de esperas sobrepostas ao longo do tempo. Depois de reformados o que é que esperamos? Apenas sermos respeitados pela família, pelos amigos, pelos antigos colegas, pelo Estado. Nem sempre isso acontece, já não contamos para nada, já não somos contribuidores líquidos de impostos, somos apenas consumidores com pouco dinheiro. Olhamos para trás e notamos que a vida foi curta e apenas nos resta esperar o ‘fim da linha’. Resta-nos confraternizar com os que ainda percorrem os caminhos da vida.
A reforma é um alívio na obrigação de trabalhar, mas é um pesadelo para quem sabe que a sua importância na sociedade se desmoronou
As nossas reivindicações já não são ouvidas, quando alguma é satisfeita notamos que é por esmola, “tomem lá este grande benefício oferecido por este governo”, somos peças descartáveis no tabuleiro político do jogo da vida. A reforma tira-nos a voz, ninguém nos ouve. O nosso “peso” depende da nossa vida até à passagem à situação de ‘reformado’. Se foi juiz ou professor universitário é ‘jubilado’, se foi funcionário público é aposentado, os restantes são reformados.
Na prática, ser reformado, significa ser velho e provavelmente dependente, por isso pasmo quando ouço alguém dizer que está ‘desejando passar à reforma’, essas pessoas nem se apercebem que querem caminhar rapidamente para o fim da única existência que temos, a vida está cheia de contradições.
A reforma é um alívio na obrigação de trabalhar, mas é um pesadelo para quem sabe que a sua importância na sociedade se desmoronou, dá-se o descalabro psicológico, muitas vezes fatal, já ninguém o ouve mesmo quando devia ouvir devido à sua experiência acumulada ao longo da vida.
É no ‘fim da linha’ que muitos percebem a superficialidade do efémero, da fama e do poder. Clamam então pela realidade, mas, já é tarde, a vida passou.
Não contesto e defendo a passagem à reforma ainda numa idade “útil”, até porque é impossível continuar a trabalhar indefinidamente, apenas quero meditar um pouco sobre uma parte significativa da vida que se escapa por entre as nossas alegrias e fraquezas, sabendo de antemão que a seguir à vida temos a eternidade do tempo.
Leia também: O Chega ganhou no Algarve não foi por acaso | Por Daniel Graça