(IN)SEGURANÇA, VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE
A tradicional bonomia da terra algarvia e das gentes que aqui habitam ou por aqui passam é ciclicamente agitada por notícias de crimes horrendos de arrepiar a medula do mais insensível. O assassinato de Sandra Andrade, e as circunstâncias macabras (ainda em fase de apuramento) que o envolveram, é apenas o mais recente episódio que colocou o Algarve nas primeiras páginas dos jornais pelo pior dos motivos. Há pouco mais de dois anos, foi o desmembramento de Diogo Gonçalves, e o itinerário de carne e ossos espalhados ao longo da Região. A versão século XXI de Bonnie & Clyde acaba de passar por aqui, num registo de assaltos violentos a estações de serviço. O misterioso desaparecimento de Maddie continua a pairar como uma dúvida de suspeição até à eternidade. Certamente não por acaso, os municípios de Faro e Loulé ocupam umas pouco honrosas terceira e quinta posições a nível nacional no número de vítimas de crimes (na sua maioria mulheres alvo de violência doméstica), segundo o relatório da APAV relativo ao ano de 2021. O tráfico de mulheres escravizadas na prostituição prospera à beira das estradas e em casas da especialidade, e ninguém levanta um dedo em protesto ou denúncia. O roubo generalizado da alfarroba, faz suspirar por tempos que já lá vão (irremediavelmente), em que o respeito pela propriedade dos outros era sagrado e era a regra. Postigos abertos, chaves do lado de fora das portas, são quimeras da confiança perdida.
A noite tornou-se um palco sinistro e perigoso, para onde se vai sem saber como acaba
São frequentes as notícias de agressões bárbaras à frente de locais supostamente frequentáveis para efeitos de diversão, perpetradas de forma tribal, cobarde e desleal. A noite tornou-se um palco sinistro e perigoso, para onde se vai sem saber como acaba. Há demasiada gente a bombar músculos nos ginásios, ansiosa por os exibir e utilizar sobre o primeiro incauto que lhes apareça pela frente. Muitos apelidam-se eufemisticamente de “seguranças”. Há demasiada gente com experiência bélica a sério, para quem tirar a vida a um ser humano não tem significado nem remorso. Há demasiada gente a aprender técnicas marciais de combate com propósitos muito para lá da simples defesa pessoal, sem respeito por código de ética nenhum. Tudo isso e muito mais caracteriza a sociedade actual, e não é um exclusivo do Algarve, nem de Portugal, é um fenómeno global. Nada surpreendente, aliás. Com as doses massivas de filmes e notícias de violência gratuita que entram casa adentro dos cidadãos pelos écrans da televisão, pelas plataformas digitais, até por simples jogos para crianças, o que se poderia esperar? Sim, o mundo é violento desde o começo dos tempos. Lamentavelmente, a Humanidade teima em não aprender com os seus erros. Ainda não morreram todos os sobreviventes da última grande guerra, e já temos outra no forno.
POEIRA
Sempre foi assim. A infelicidade de uns é a felicidade de outros. Para grande proveito das empresas de lavagem automática de viaturas, e dos produtores e vendedores de produtos de limpeza, são cada vez mais frequentes as nuvens de poeira vindas do Saara que se abatem sobre a atmosfera do sul e do centro da Europa, e a que o Algarve não tem escapado. Aos desembarques de candidatos a emigrantes, junta-se agora esta coloração amarelenta borrando o azul límpido do céu algarvio vinda do outro lado do Gharb. Dizem os especialistas que os períodos de seca e aumento da desertificação só tenderão a intensificar a ocorrência destes fenómenos, reflectindo-se na qualidade do ar até agora impoluto que respiramos, sobretudo quando essas nuvens passam baixinho. Garganta seca, lágrima no olho, desaconselhável para asmáticos, alérgicos, idosos e crianças, inibidor de actividades ao ar livre, é longa a lista de inconvenientes. Basta caírem uns salpicos enganadores, e não há automóveis, esplanadas, nem roupinha estendida na corda que escape. É nestas alturas que regressa uma nostalgia invernal, saudade de umas fortes chuvadas reparadoras do ambiente e da alma.
DESPORTOS INVISÍVEIS
Pode ser que existam aficionados, praticantes, clubes, associações e competições até, mas se existem não se notam, não se dá por eles, não há notícia no jornal nem passagem pelas redes sociais. Há modalidades desportivas invisíveis no Algarve. Fabricantes de musculação à parte, alguém conhece um halterofilista algarvio? No meio das batalhas de flores, emergiu algum esgrimista? Com tanto nudista ali para os lados da Ingrina e do Zavial alguém se dedica à pelota basca? Onde há ingleses há críquete, mas aqui os indígenas não batem bola. E porque não? Uma coisa é certa: esqui no Algarve, será difícil, para não dizer impossível. Com uma máquina de fazer neve, poder-se-ia sonhar com uma estância na Fóia, uma solução para os incêndios na Serra de Monchique, uma “mézinha” para a sazonalidade turística. Sonhos que o calor se encarregaria de derreter.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico