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A doença na História – Freira morre de Herpes no séc. XVII

Artigo de José Carlos Vilhena Mesquita publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul de janeiro

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16:00 14 Janeiro, 2022 11:25 16 Janeiro, 2022 | POSTAL
José Carlos Vilhena Mesquita, professor universitário e historiador 

Uma das doenças mais comuns no ac tua l panorama da saúde mundial é o Herpes, cujas origens se terão perdido por entre as brumas do tempo. No fundo, trata-se de uma doença viral benigna, causada pelo vírus denominado Herpes, na forma simplex 1 e 2, que afecta geralmente as mucosas. As zonas mais sensíveis ao ataque herpético são a boca e o torax, podendo irradiar para a zona genital. Em casos muito raros pode causar graves complicações neurológicas e até mesmo a morte. Sabemos hoje que não tem cura, e pensa-se que mais de metade da humanidade está infectada com o HSV1 e 2. O mais grave é que esta doença da família do sarampo e da varíola, pode atacar em sucessivas recidivas ao longo da nossa vida. O vírus transmite-se por contágio, geralmente na infância, sob a forma de sarampo, ficando inoculado no corpo até que o nosso sistema imunitário baixe a guarda, retornando então sob a forma de pequenos ataques epidérmicos benignos, a que chamamos “sarna” ou “zona”, cujas principais vítimas são as pessoas idosas, os intervencionados, em suma, os mais débeis. Em idades mais avançadas os ataques de herpes não são causados por contágio, mas tão só por abaixamento do nosso sistema de defesa imunitária. 

Não vão longe os tempos em que o Herpes, enquanto doença viral e contagiosa, era muito comum nos quartéis militares, nos presídios, nos prostíbulos, nos conventos e mosteiros, enfim nos locais de maior afluência ou concentração de pessoas, sobretudo onde imperasse a falta de higiene. A sua propagação viabilizava-se por contágio de fluídos corporais, principalmente saliva, suor e sémen, sendo que muitas vezes se associava às doenças sexualmente transmissíveis. A sífilis, a gonorreia e o herpes, foram, no passado, os infectos e purulentos castigos de uma vida depravada. 

A agressividade virulenta do herpes, embora seja intensa e permanente, porque o vírus depois de inoculado nunca se extingue, é raramente letal, a não ser quando degenera para uma encefalite. Neste caso, a multiplicação do vírus no cérebro provoca convulsões e anomalias neurológicas, de que resulta por vezes a morte. 

Os arquivos e a história da patologia 

Ao longo dos últimos trinta anos dediquei-me à investigação arquivística, e nesse afã percorri os principais acervos do país. Mas o Arquivo Nacional da Torre do Tombo foi o meu quartel-general. Uma das secções que mais me apaixonou foi a dos «Manuscritos da Livraria». São um verdadeiro manancial de livros e códices que nunca viram a luz da estampa. Entre eles estão vários, a maioria incompletos, da autoria de Frei Jerónimo de Belém (de que me ocupei no meu livro sobre «O Algarve na Academia da História»), que são de notável interesse para o estudo da vida conventual e eclesiástica no Algarve. 

Claustro sebastianista do Convento de Nª Sª dos Mártires ou da Conceição de Sacavém, cujos azulejos ainda se conservam
na sua original integralidade Fotos D.R.

Aquele erudito religioso escreveu em 1647 uma «Relação Memoravel da Santa Provincia dos Algarves – memorial segundo» na qual a fls. 41vº pode ler-se, acerca do Convento de Nª Sª dos Mártires ou da Conceição de Sacavém (o segundo em importância e notoriedade dentro da Ordem), que a Soror Maria da Coluna, fundadora daquela casa religiosa, tivera uma morte “muy penoza por ter herpes” (1). 

Quando li isto confesso que fiquei estupefacto, porque sempre tive a noção de que o Herpes é doença infectocontagiosa muito transmissível, geralmente pelo contacto intimo. Mas nunca pensei que pudesse ser letal. Assim como também nunca pensei que essa doença pudesse infiltrar-se na vida conventual. Numa casa religiosa onde pouco consentânea com a vida religiosa. 

Infelizmente o Frei Jerónimo não fornece mais explicações sobre a doença daquela insigne religiosa. No entanto, deve ter sofrido de forma dolorosa e intensa, pois noutra obra ao falar daquela ilustre religiosa, acrescentaria que por diversas vezes a doença deixou-a prestes a finalizar o decisivo encontro com Deus: «toda a sua vida foi sempre um contínuo ensaio para a morte, que, como a esperava todas as horas, não perdia tempo em prevenir-lhe os assaltos». (2) 

Uma vítima notável 

Para terminar, acresce dizer que Soror Maria da Coluna, era filha de D. Manoel de Mello, o célebre Prior do Crato, e em vida foi uma das mais famosas religiosas do Convento de Jesus de Setúbal. Faleceu a 1 de Junho de 1614. 

Agora, o que mais me surpreendeu foi saber que o herpes era já uma doença conhecida no séc. XVII, e sobretudo aperceber-me que se desenvolveu nos séculos seguintes de forma rápida e agressiva, causando gravíssimos estragos de saúde na população em geral. Entre as doenças prescritas nas “pautas” usadas pela inspecção de saúde aos navios estrangeiros já constava o herpes como doença contagiosa. Mas de todas a mais temida era o herpes genital, por ser muito comum entre as mulheres públicas (meretrizes) e, por isso, de fácil propagação entre as diversas classes sociais. Alguns médicos no séc. XIX associaram o herpes a várias doenças psiquiátricas ou a estados neuróticos. 

Como é que o Frei Jerónimo de Belém soube, trinta anos depois da morte de Soror Maria da Coluna, que a benemérita religiosa faleceu de Herpes é que eu, muito sinceramente não sou capaz de desvendar. Presumo que a doença, e a sua devastadora memória, permanecesse ainda viva dentro das paredes claustrais, a ponto de ser lembrada e identificada tantos anos depois. Só assim se explica que Frei Jerónimo tivesse escrito de forma tão clara e explícita a causa da morte daquela benemérita religiosa. 

Panorâmica exterior do convento quando serviu de quartel da marinha, desactivado em 2006

Com base na associação do nome Coluna, às colunas do templo de Deus e à cruz que supliciou Cristo, como coluna da Cristandade – o célebre padre Rafael Bluteau, que todos conhecemos como grande lexicólogo da língua portuguesa, escreveu e pregou pessoalmente no Convento da Esperança, a 28 de Janeiro de 1685, “estando o Senhor exposto” um notável panegírico religioso intitulado «Sermão na Profissão de Soror Maria da Coluna, filha do gram Prior do Crato, Manoel de Mello, &c.», que se integra na parte terceira das «Primicias Evangelicas ou Sermoens e Panegyricos do Padre D. Raphael Bluteau…», Paris, por Joaõ Anisson, Director da Impressão Real, MDCXCVIII, pp. 345-364. A leitura deste sermão é muito surpreendente, pela beleza do texto, que não é enfadonho, como acontece com a maioria dos sermões que tenho lido, pois exigem profundos conhecimentos de Teologia e da Santa Escritura. 

Para terminar, acrescento que este antigo convento foi no declinar do século XIX anexado à fazenda nacional aproveitando-o para diversos fins até que no século seguinte foi transformado em quartel militar. O seu último ocupante foi o Batalhão de Adidos do Exército Português, que dali se retirou em 2006. Não sei se ultimamente teve melhor serventia, mas ainda há bem pouco tempo aquele magnífico edifício de seculares pergaminhos históricos, estava votado ao mais confrangedor abandono. 

Resta-me pedir desculpa aos leitores pela extensão deste despretensioso apontamento sobre um episódio da doença na história. 

(1) ANTT, Manuscritos da Livraria, nº 408. 
Aproveito para esclarecer que quem fundou aquele convento foi D. Brites da Costa, mas a sua instituição oficial, e dotação dos meios de sobrevivência, foram assegurados pelo seu marido, Miguel de Moura, ao tempo escrivão da puridade do rei D. Sebastião. A esposa, D. Brites, legou ao Convento de Nª Sª dos Mártires ou da Conceição de Sacavém, por testamento de 15 de Novembro de 1607, os seus mais valiosos bens, deixando as freiras garantidas para o resto dos seus dias. Na sequência da extinção das ordens religiosas e da nacionalização dos bens da Igreja, foi aquela casa religiosa anexada aos bens nacionais por Decreto de 20 de Janeiro de 1877. 

(2) Jerónimo de BELÉM, Crónica Seráfica da Santa Província dos Algarves da Regular Observância do nosso Seráfico Padre S. Francisco. Em que se trata de sua Origem, Progressos e Fundações de seus Conventos, Lisboa, na Oficina de Inácio Rodrigues, 1750- 1758, tomo II, p. 670. 

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico 

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