A Cegueira do Rio, o novo romance de Mia Couto, autor publicado pela Caminho, chega às livrarias. A capa é ilustrada por um pintor moçambicano, Moisés Mafuiane, conhecido como Butcheca, natural de Maputo.
Esta edição marca também o início da reedição de todos os livros do autor com capas ilustradas por obras de artistas moçambicanos. No final, serão mais de trinta capas, que espelharão o panorama da pintura moçambicana atual.
O escritor Mia Couto foi recentemente distinguido com o Prémio Feira Internacional do Livro de Literatura em Línguas Românicas de Guadalajara (México) e ainda este ano, o seu livro Compêndio Para Desenterrar Nuvens venceu o Grande Prémio do Conto Branquinho da Fonseca APE.
A Cegueira do Rio parte de um episódio ocorrido em África, na Primeira Guerra Mundial. O autor indica, numa nota inicial, que o livro se baseia em factos reais
A Cegueira do Rio parte de um episódio ocorrido em África, na Primeira Guerra Mundial. O livro alterna entre um narrador e breves fragmentos, identificados como «falas», em que lemos na primeira pessoa um moçambicano, o sipaio Nataniel Jalasi, assim como várias outras personagens que oferecem a sua própria perspectiva.
Se no início a narrativa parece centrada no sargento português Bruno Estrela, que fica muito entusiasmado quando, ao lado de Nataniel, avista um alemão a chegar numa canoa, ou seja, o primeiro branco que vê em muito tempo e com quem está desejoso de falar, ainda que a língua do alemão lhe seja áspera e incompreensível, rapidamente o sargento é desenganado, pois acaba fulminado por uma série de tiros desferidos pelo alemão. Assim se lança, logo nos primeiros capítulos, uma série de interrogações relativamente à questão da raça, pois se entre o português e o sipaio havia até amizade e respeito, sendo que Nataniel aprendeu a ler, a escrever, a falar português com o sargento, por outro lado o alemão assassina o outro branco sem hesitação.
Narra-se, com este episódio, um primeiro incidente militar ocorrido numa aldeia do Norte de Moçambique, perto do lago Niassa, que marca, em agosto de 1914, o início da Primeira Guerra Mundial no continente africano.
«Havíamos de abrir tantas sepulturas que todos nós, negros e brancos – que sempre existimos separados – acabaríamos por nos tornar vizinhos nessa cova maior do que a terra inteira. Mãos que não se tocaram quando eram feitas de carne, iriam entrelaçar-se quando fossem apenas ossos. Acabaríamos por esquecer de que raça fomos e que língua falámos enquanto estivemos vivos.» (p. 63)
O autor indica, numa nota inicial, que o livro se baseia em factos reais, ocorridos entre as duas margens do Rio Rovuma, fronteira natural de Moçambique com a Tanzânia. Ainda antes deste evento, remete-nos para uma insurreição popular em protesto contra a cultura forçada do alemão, decorrida entre 1905 e 1907, sendo que «a resposta das autoridades coloniais alemãs resultou num dos mais graves massacres da história de África», com 200 a 300 mil camponeses mortos.
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