Fechou portas vai para uns nove anos. Nos bons velhos tempos – antes da crise de 2008 – a casa das bonecas de juta era uma autêntica oficina de moda antiga. Chamava-se Flor da Agulha, uma pequena empresa de Martim Longo, criada em 1987, em pleno nordeste algarvio.
As quatro mulheres, que estiveram na base da sua constituição, não tinham mãos a medir para as encomendas que chegavam um pouco de todo o mundo. Mas, hoje, se não lhe deitarem a mão, o projecto acabará por morrer.
Com efeito, as artesãs, envelhecidas, perderam a capacidade de resposta e, as mais novas, viraram-se para outras modas. A oficina está fechada e, quer a Câmara de Alcoutim, quer a Universidade do Algarve ou a Direcção Regional da Cultura, ainda não encontraram formas de viabilizar o projecto. Que vale mais pelo que representa na memória colectiva de um povo e da sua forma de vida, do que pela sua importância económica, pois “ninguém pode viver apenas encostado a este negócio!”
Apesar da crise e embora com menos encomendas, as bonecas de juta continuam a sair pelo mundo fora: Ti Antónia, Tia Rosa, Ti Ana ou Tia Lurdes, são apenas alguns nomes de figuras da terra que sobreviveram ao tempo na personalização das bonecas.
É a arte de representar com memória a cultura de um povo e as suas actividades tradicionais já desaparecidas ou em vias disso. São trabalhos genuínos feitos à mão e muita paciência: agulha, tesoura, fio e a arte nas mãos de Lisete, Otília, Hermínia e Ilda (já falecida).
O boneco – como explicou Lisete – é trabalhado numa estrutura em arame e de acordo com o ofício que a figura representa. Depois, trabalho de designer sobre o pano que é feito de sarapilheira extraído da juta que lhe dá o nome.
“Nós damos a estas bonecas todo o nosso carinho porque cada uma delas foram inspiradas em pessoas reais que nós conhecemos quando eram vivas e nas actividades que elas tinham, por exemplo, na ceifa, no pão, no trabalho do linho e da lã, na empreita e cestaria, nos bordados ou nas rendas. Os homens são acompanhados pelas alfaias agrícolas, a enxada e a charrua, por exemplo. São pessoas que não morreram porque vivem através de nós e percorrem o mundo”.
Todas juntas dariam um museu com memórias do passado da terra. Uma forma de viver que se vai perdendo. E têm nomes essas bonecas. Não são barbies, nem de porcelana. Vestem roupas grosseiras e não sorriem. Mas são bonitas, originais, autênticas. Feitas com amor como quem embala um filho.
Vêm do interior serrano, na memória de um Algarve perdido no tempo e que corre o risco de morrer para sempre! Com as bonecas!