A longevidade no trabalho continua a surpreender, sobretudo quando surgem histórias que desafiam a ideia tradicional de carreira e idade da reforma. Nos Estados Unidos, a vida de Betty Reid Soskin tornou-se um exemplo raro e inspirador: a idosa trabalhou até aos 100 anos e continua, aos 104, a ser uma referência para quem acredita que nunca é tarde para começar uma nova etapa.
Betty Reid Soskin tornou-se conhecida como a guardiã de parques nacionais mais velha dos Estados Unidos. Apesar de nunca ter revelado quanto recebe de pensão, a imprensa norte-americana recorda que os guardas florestais recebem, em média, entre 2.000 e 4.000 euros mensais, consoante a carreira e os anos de serviço.
Quando decidiu reformar-se, aos 100 anos, mudou-se temporariamente para casa da filha, onde ajuda no dia a dia e não perde uma única emissão de telejornal. Mantém o mesmo interesse pela política que a acompanhou ao longo de décadas, de acordo com o jornal britânico The Guardian.
Origens, identidade e memórias de um século
Nascida em 1921 em Nova Orleães, Betty viveu as inundações de 1927 que levaram a família para a Califórnia. A sua história pessoal cruza-se com a da própria América: a bisavó fora escravizada em 1846 e viveu até aos 102 anos.
Só já adulta percebeu a multiplicidade de papéis que desempenhou ao longo da vida. “Nunca soube realmente quem era, acho que fui muitas Bettys”, contou, numa reflexão sobre um percurso que atravessou ativismo, música, luta social e trabalho comunitário.
Música, militância e muitos caminhos
Muito antes de vestir o uniforme do Serviço de Parques Nacionais, Betty passou por vários ofícios. Em 1945, abriu com o marido uma loja de discos dedicada à música afro-americana. Aprendeu guitarra, escreveu canções de protesto e chegou a trabalhar com Pete Seeger, mentor de Bob Dylan. Parte do dinheiro que ganhou, destinou-o a projetos ligados aos Panteras Negras, numa época de forte mobilização pela igualdade racial.
Mais tarde, tornou-se administrativa e envolveu-se em movimentos cívicos contra a discriminação, até que, no final dos anos 80, decidiu descobrir quem realmente era e mudou o rumo da sua vida.
O trabalho que a tornou conhecida
Aos 85 anos, conseguiu um lugar no Serviço de Parques Nacionais. Ajudou a criar o Rosie the Riveter World War II Home Front National Historical Park, um espaço que recupera o papel dos trabalhadores afro-americanos na Segunda Guerra Mundial.
Em 2013, quando o Governo federal suspendeu temporariamente o trabalho de cerca de 800 mil funcionários, Betty protestou por se ver impedida de continuar. “Tinha muito trabalho pendente”, recordou no documentário No Time to Waste. Aos 92 anos recebeu um elogio inesperado: Barack Obama chamou-lhe “uma fonte de inspiração”.
Uma reforma tardia e uma serenidade única
Em 2021, quando chegou aos 100 anos, decidiu finalmente reformar-se, de acordo com a mesma fonte. Entre risos, explicou que “o meu trabalho foi uma revolução financiada pelo Governo”. Apesar da idade, mantém o mesmo olhar atento sobre o mundo e não esconde a preocupação com o rumo da política internacional, de acordo com o The Guardian.
Sobre o tempo e a memória, a idosa, hoje em dia com 104 anos, diz: “Vejo tudo esbatido, os anos misturam-se na minha cabeça”. Ainda assim, garante que continua a cantar, mesmo que seja apenas em sonhos: “Não me esqueci de uma única linha das minhas canções”.
Poderia este caso acontecer em Portugal?
Num cenário semelhante em Portugal, o enquadramento seria possível, mas menos comum. A idade legal da reforma é neste momento de 66 anos e 7 meses, embora seja permitido continuar a trabalhar para além desse limite, desde que exista acordo entre trabalhador e entidade empregadora. A lei também permite acumular trabalho com pensão, desde que respeitadas as regras contributivas aplicáveis.
Profissões públicas como guardas florestais, vigilantes da natureza ou técnicos de parques naturais seguem estatutos próprios, mas nada impede que um profissional permaneça em funções depois da idade da reforma se estiver em plena capacidade e não existir impedimento legal.
Assim, uma carreira tão prolongada como a desta idosa de 104 anos poderia acontecer em Portugal, mas dependeria sempre de autorização da entidade empregadora e das condições específicas do vínculo.
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