As moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster) são um exemplo fascinante de adaptação animal. Estudos mostram que estas pequenas criaturas têm uma clara preferência pelo etanol, uma substância que utilizam tanto para a reprodução como para se protegerem de parasitas. No seu habitat natural, as moscas-da-fruta tendem a escolher frutas fermentadas, que podem conter entre 4% e 15% de etanol, dependendo da espécie de fruta. A sua impressionante capacidade de adaptação torna-as verdadeiras especialistas no consumo de álcool. No entanto, se ingerirem grandes quantidades, podem manifestar sintomas semelhantes aos de uma embriaguez humana, segundo o National Geographic Portugal.
“Elas agem exactamente como as pessoas”, afirmou Scott Hansen, professor associado do Departamento de Medicina Molecular da Universidade de Oregon, num estudo de 2019 publicado no Journal of Molecular Biology. Hansen observou que, após consumirem álcool, as moscas perdem a coordenação e até se desorientam. Além disso, o seu comportamento torna-se errático: algumas ficam mais isoladas, enquanto outras se tornam promíscuas. Por exemplo, sabe-se que as fêmeas se tornam menos exigentes na escolha de parceiros, e os machos, quando não conseguem acasalar, recorrem ao álcool como se estivessem a tentar “afogar as mágoas”.
Curiosamente, as moscas-da-fruta não são os únicos animais a consumir álcool. Outras espécies, como certos escaravelhos e vespas, também ingerem esta substância. Isto ocorre porque tanto o néctar das flores como o suco de frutos contêm leveduras, que fermentam e produzem etanol. Espécies como borboletas e abelhas podem embebedar-se ao consumir estes alimentos, seja de forma acidental ou deliberada. Em alguns casos, o álcool é necessário: as moscas-da-fruta, por exemplo, depositam os seus ovos em superfícies alcoólicas para evitar infecções, enquanto os escaravelhos Xylosandrus germanus utilizam o etanol para proteger as suas tocas de bolores.
No mundo das aves, também há registos de embriaguez. O ampelis americano (Bombycilla cedrorum), uma ave passeriforme que vive no Canadá e no sul dos Estados Unidos, é um exemplo disso. Estas aves podem consumir frutos fermentados e, ao ficarem intoxicadas, perdem a capacidade de voar corretamente, o que pode resultar em colisões fatais. Necropsias realizadas em algumas destas aves confirmaram este fenómeno.
Quantas espécies consomem álcool? Esta é uma questão investigada por um estudo recente publicado na Trends in Ecology and Evolution, que compila centenas de casos de consumo de álcool no reino animal. Os investigadores concluíram que este comportamento é mais comum do que se pensava, tendo identificado pelo menos 85 espécies adaptadas ao consumo regular de etanol.
Segundo o estudo, “o etanol é uma substância ecologicamente relevante, que moldou a evolução de muitas espécies e influenciou relações simbóticas entre plantas, leveduras, bactérias, insectos e mamíferos”. Isto significa que o etanol desempenha um papel importante na interacção entre diferentes organismos.
Mas porque produzem as plantas álcool? Uma das razões pode estar na proteção contra ameaças. O etanol é produzido quando os açúcares se decompõem sem a presença de oxigénio, num processo semelhante à fermentação do vinho. Este processo metabólico, que ocorre em plantas com flor, ou angiospérmicas, surgiu há cerca de 120 milhões de anos. As leveduras aproveitam os açúcares das frutas para produzir álcool, uma substância que ajuda as plantas a combater infecções bacterianas e a atrair animais para dispersão de sementes.
Do ponto de vista dos animais, o consumo de etanol pode trazer benefícios, como propriedades antimicrobianas e o acesso a um recurso alimentar adicional. Segundo Anna C. Bowland, ecologista da Universidade de Exeter, a capacidade de metabolizar o etanol permite aos animais explorar novas fontes de alimento com menos riscos associados. Contudo, o consumo excessivo pode ter efeitos negativos, como demonstram os casos dos ampelis americanos.
A “hipótese do macaco bêbado”
E os seres humanos? Porque gostamos de álcool? Uma teoria popular, chamada “hipótese do macaco bêbado”, sugere que o consumo de álcool tem raízes evolutivas nos nossos antepassados primatas, há cerca de 10 milhões de anos. Durante esse período, os nossos antepassados desceram das árvores, passando a encontrar frutos fermentados no solo. Esta mudança não só lhes permitiu explorar um novo recurso alimentar, como também evitou a competição com macacos arborícolas.
Uma mutação no gene ADH4, que ocorreu nessa época, tornou os nossos antepassados mais eficientes a metabolizar o etanol, permitindo-lhes consumir frutos fermentados sem sofrer graves consequências. Segundo Bowland, esta adaptação metabólica pode ter sido essencial para a sobrevivência durante períodos de escassez de alimentos.
Embora ainda existam muitas questões por responder sobre o consumo de álcool em animais selvagens, é claro que esta substância desempenhou um papel significativo na evolução de várias espécies — incluindo a nossa.
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