No passado dia 19 de abril tive a oportunidade de apresentar na FNAC da Guia-Algarve o livro com o título “As relações União Europeia-Rússia no horizonte 2035: uma análise prospetiva” da autoria de Pedro Cunha da Silva, prémio Jacques Delors de 2022 para o melhor ensaio académico sobre temas da União Europeia. Recomendo, desde já, vivamente a sua leitura. Na ocasião tive a oportunidade de fazer vários comentários ao livro e é uma síntese breve dessas considerações que aqui trago aos leitores.
Em primeiro lugar, trata-se de um exercício arriscado de prospetiva geoestratégica no horizonte 2035, em terreno completamente minado, mas, justamente, a sua natureza de ensaio metodológico permite-nos racionalizar essa incerteza máxima e colocar nessa estrada do futuro alguns marcos de sinalização ou configurações de elementos fixos e variáveis designados por cenários (8 cenários) que, no conjunto, ajuda a reduzir a elevada contingência que temos pela frente nas relações União Europeia – Federação Russa.
Em segundo lugar, os oito cenários são construídos sobre vários materiais designados como: elementos de contexto (1), elementos predeterminados (2), incertezas cruciais (3) e incertezas máximas ou cisnes negros (4). A volatilidade destes elementos é de tal modo elevada no atual contexto que vivemos, literalmente, numa montanha-russa, no que diz respeito à prevalência ou hegemonia de alguns desses elementos sobre os restantes. Vivemos mergulhados em grandes transições e em plena mudança paradigmática e nas relações entre a União Europeia e a Federação Russa deixámos de discutir os efeitos geopolíticos do soft power socioeconómico para discutir os efeitos geoeconómicos da geopolítica e do seu crescente hard power.
Em terceiro lugar, o autor refere que, no passado recente, sempre foi possível cumprir um padrão mínimo de cooperação/competição económica entre a União Europeia e a Federação Russa para desanuviar o ambiente geopolítico respetivo; todavia, desta vez, os 12 pacotes de sanções já aplicados e o alargamento da guerra convencional às guerras híbridas e por procuração não permitem concluir por qualquer desanuviamento da situação a breve prazo.
Em quarto lugar, a Federação Russa sabe bem que uma aceleração dos procedimentos de adesão à NATO e União Europeia depende de um cessar-fogo a breve trecho, mais do que um acordo de paz; assim, o congelamento da guerra é uma hipótese em aberto e pode ser utilizado para arrefecer/congelar/instrumentalizar as negociações de adesão da Ucrânia em vários tabuleiros geoestratégicos.
Em quinto lugar, o autor aponta 7 cisnes negros – revisão do processo de adesão à União Europeia, adesão da Ucrânia à União Europeia, transição de poder na Rússia, transição de poder e buffer bielorusso, revisão do processo de decisão na PESC, invasão da Bielorússia e novo proto estado, reforço das lideranças populistas e eurocéticas – todavia, todos eles parecem ter alguma verosimilhança no atual contexto da guerra; outros cisnes negros podem irromper com muito maior capacidade de impacto como é o caso da eleição de Donald Trump nos EUA, a invasão de Taiwan pela China, um incidente nuclear na Ucrânia ou na guerra entre o Irão e Israel, o que faz subir ainda mais as incertezas máximas dos cenários traçados pelo autor.
Em sexto lugar, há um risco elevado de a União Europeia e a Federação Russa serem relegadas para plano secundário e, mesmo, instrumentalizadas, se os EUA e a CHINA entrarem deliberadamente em guerra fria no indo-pacifico; se tal acontecer há duas vias abertas, uma via vermelha, a Federação Russa aproveita o afastamento americano para apertar o cerco à Ucrânia e pressionar ainda mais a Europa, uma via verde, a União Europeia e a Rússia aproveitam a oportunidade para restabelecer relações de cooperação económica e chegar a um acordo de cessar fogo na Ucrânia com início imediato de negociações para um acordo de paz.
Nota Final
Aos oito cenários apresentados no livro quero acrescentar mais dois. Um cenário distópico, quase apocalítico, que faria convergir três guerras com participação americana quase 100 anos depois da grande depressão de 1929: a guerra do Ocidente contra a Federação Russa, a guerra no Grande Médio Oriente entre o Irão e Israel e seus proxies, a Guerra EUA-CHINA no indo-pacífico, de consequências imprevisíveis. Um segundo cenário, utópico, com o cessar-fogo imediato da guerra na Ucrânia, um acordo de paz a reconhecer as repúblicas independentes da Crimeia e do Donbass, o fim das sanções à Rússia e um acordo entre as grandes potências para a reconstrução da Ucrânia e do Donbass, a renovação em novas bases da cooperação entre a União Europeia e a Federação russa visando estabelecer um eixo euroasiático de desenvolvimento socioeconómico intercontinental. Dito isto, caro leitor, não deixe de comprar e ler o excelente livro de Pedro Cunha da Silva.
Leia também: O estado da União e o futuro do projeto europeu | Por António Covas
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