A criação do estado da Palestina é uma impossibilidade. No contexto atual, Israel não abdicará de parte alguma do território que considera seu. Os ataques terroristas do Hamas a 7 de outubro fazem parte de uma campanha revolucionária para a destruição de Israel. A “resistência” ou “descolonização” são eufemismos. Assim, acreditar numa solução de dois Estados, nas atuais circunstâncias, é uma utopia.
O 7 de outubro marca um ponto de viragem na guerra do Hamas contra Israel. A sociedade israelita está em choque. Nunca tinha sofrido um ataque tão violento que tivesse mostrado tamanha vulnerabilidade. Israel perde, assim, em dois planos: a nível interno e externo.
Do ponto de vista interno, as falhas de avaliação dos Serviços de Segurança Interna e do governo liderado por Benjamin Netanyahu explicam o choque e a surpresa que o Hamas conseguiu criar e explorar. O mais extraordinário é que, a 7 de outubro, o Sul de Israel estava praticamente indefeso. Tendo em conta a geografia de Israel, este foi um erro de avaliação calamitoso. Israel levou muito tempo a compreender o que estava a acontecer, perdeu o controlo sobre a sua fronteira e teve dificuldade em deslocar para o Sul do país as suas unidades militares. Os seus adversários e inimigos tomaram boa nota disto. Surgem então duas perguntas:
- Será que uma articulação entre as autoridades e serviços do Estado teria permitido uma resposta preemptiva como na Guerra Dos Seis Dias, tendo em conta a magnitude do ataque? Certamente que o cálculo israelita teria sido diferente.
- Quais serão as consequências dos ataques na aproximação e normalização de Israel junto dos países da Península Arábica? E na Cisjordânia?
A derrota da Organização de Libertação da Palestina na guerra civil libanesa em 1981 deu origem a um problema maior: o aparecimento do Hezbollah, um grupo islamita radical com ligações ao Irão e ao regime sírio. Durante a 1.ª Intifada, surge também o Hamas, um grupo islamita radical palestiniano. Tem ligações à Irmandade Muçulmana, ao Irão e ao Qatar. Têm objetivos políticos diferentes, embora partilhem o mesmo sentimento quanto a Israel. Atualmente, o Hezbollah controla o Sul do Líbano, disputando o controlo do país com o governo libanês. O Hamas expulsou a Autoridade Palestiniana de Gaza em 2007, passando a controlar e a administrar este território. Estes grupos terroristas minam a autoridade dos estados, acabando muitas vezes por substitui-los.
O Irão é o grande aliado do Hamas e do Hezbollah. Teerão compreende que o apoio financeiro, logístico e militar dado a estes grupos terroristas é fundamental, uma vez que alarga a sua esfera de influência no Médio Oriente. Vê nestes grupos a janela de oportunidade ideal na sua luta contra a influência ocidental na região. Por outro lado, permite-lhe interferir na guerra de Israel contra o Hamas, ou perturbar a situação no Líbano. Para o regime iraniano, os ataques terroristas do Hamas são uma forma de atingir e enfraquecer Israel.
No plano externo, quem sai vitorioso dos ataques terroristas é o Irão. Através do Hamas, o Irão consegue concretizar parte da sua agenda política — a desestabilização de Israel —, e por outro lado, minar as negociações diplomáticas entre Israel e a Arábia Saudita. O estabelecimento de relações entre os dois países significaria uma derrota pesada para Teerão, acabando por ficar mais isolado na luta contra o estado de Israel. Além disso, o Irão (xiita) e a Arábia Saudita (sunita) competem pela hegemonia no Médio Oriente, pelo lugar de potência regional determinante. Após este ataque, a viabilização de tal acordo por parte dos sauditas não beneficiaria os seus próprios interesses, podendo ser interpretado como uma não-legitimação da Causa Palestiniana.
O conflito é mais antigo do que a atualidade transparece. Foi uma sucessão de acontecimentos, que evidenciam a não-convivência possível de judeus e árabes no mesmo território, como a Comissão Peel conclui no seu relatório, já em 1937. Apoiada pela comunidade internacional, a solução mais viável parece ser a solução de dois Estados. Mas é impossível. E porquê?
A primeira condicionante é mesmo o território. A Guerra Dos Seis Dias veio redesenhar o mapa e estabelecer aquilo que poderia vir a ser o Estado Palestiniano. Israel controla a Faixa de Gaza e o Sinai, avançando para a Cisjordânia, onde se inclui a ocupação de Jerusalém Oriental. Jerusalém não detém uma grande importância potenciada por fatores geográficos, mas um enorme valor pelo significado cultural e religioso que representa, sendo a Terra Santa para três religiões. Por fim, arrasadas as linhas defensivas sírias, Israel ocupa os Montes Golã, posição estratégica pela sua altitude, relevo acidentado e capacidade defensiva. De certa forma, a Guerra Dos Seis Dias tornou o território israelita anterior a 1967 um facto consumado. Após a devolução do Sinai a troco do reconhecimento do estado judaico, restavam apenas a Cisjordânia, Gaza e os Montes Golã.
Por que é que Israel nunca irá abdicar da Cisjordânia, sendo esta fundamental para a criação do estado da Palestina?
Pela importância geoestratégica que a região tem. É uma cordilheira montanhosa, que tem o Vale do Jordão a Leste e a planície costeira onde está concentrada grande parte da população israelita a Oeste. O controlo deste território reforça a capacidade defensiva em profundidade do território israelita. Caso contrário, não seria possível.
Outra das razões reside nas lições aprendidas com a saída da Faixa de Gaza em 2005. Desde essa altura, Gaza passou a ser usada como uma plataforma lançadora de rockets do Hamas para Israel. Temendo que isto pudesse ocorrer na Cisjordânia, com base no que se verificou em Gaza, não é crível que Israel alguma vez deixe este território.
Por outro lado, a partir dos anos 80, a política de assentamentos neste território tornou-se um problema, essencialmente pelo crescimento exponencial dos colonatos. Os Acordos de Oslo assinados em 1995 estabeleceram uma distribuição destes colonatos por setores. São acordos que só vieram obstaculizar o desenvolvimento das comunidades palestinianas e colocam em causa a contiguidade territorial de um futuro estado palestiniano.
É razoável pensar na unidade de algum Estado se este tiver o seu território fragmentado?
O conflito israelo-palestiniano não tem tido, durante estes anos, uma solução com base no Direito Internacional, pelo que a resolução pela via pacífica parece cada vez mais difícil. Os últimos 80 anos são a prova disso. A queda do Império Otomano e o acordo Sykes-Picot foram importantes na fragmentação e no caos que se tornou o Médio Oriente. Grande parte dos conflitos resulta de fronteiras mal definidas, Estados sem Nações, disputas religiosas entre as três religiões monoteístas e divisões entre sunitas e xiitas. A situação israelo-palestiniana não é uma exceção. Certamente que o dia 7 de outubro ficará marcado na história desta guerra. No futuro compreenderemos o seu impacto e as suas consequências.
* Natural de Vila Real de Santo António, é licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais e tem pós-graduação em Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos em situações de conflito; e em Direito da Defesa Nacional.
Frequentou um programa avançado em gestão de crises. Atualmente desenvolve trabalho em Compliance, no setor bancário.
Artigo publicado no Expresso.
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