A discussão sobre a titularidade das reservas nacionais regressou ao centro do debate político em Roma. Em causa está o ouro Itália, um ativo cuja gestão tem implicações financeiras, institucionais e europeias, e que suscita posições divergentes entre governo e oposição.
Proposta em discussão orçamental
O partido Irmãos de Itália, liderado por Giorgia Meloni, quer inscrever na lei do Orçamento uma norma que declare que “as reservas de ouro geridas e detidas pelo Banco de Itália pertencem ao povo italiano”. A iniciativa surge num contexto em que o país detém a terceira maior reserva mundial, cerca de 2.452 toneladas, avaliadas em aproximadamente 285 mil milhões de euros após a recente valorização do metal.
Segundo o Banco de Itália, o ouro integra as reservas oficiais de divisas e serve para reforçar a confiança na estabilidade financeira nacional e na moeda europeia. A função de salvaguarda do banco central é invocada como razão para manter a atual arquitetura institucional e contabilística.
O que dizem os defensores
Lucio Malan, líder parlamentar do Irmãos de Itália, sustenta que a clarificação legal é uma questão de princípio e transparência patrimonial. O argumento é que o registo explícito da propriedade pública afastaria dúvidas sobre a origem e a titularidade do ouro Itália, sem implicar vendas ou transferências.
Os proponentes afirmam não existir intenção de alienação das reservas. Indicam, ainda, que a norma pretendida não pretende alterar as funções do Banco de Itália enquanto gestor e depositário dos ativos.
Contexto institucional e histórico
A questão ganhou tração após mudanças na estrutura acionista do Banco de Itália há cerca de uma década, quando instituições financeiras privadas passaram a figurar como acionistas nominais, explica o jornal americano especializado em finanças Financial Times. Para Claudio Borghi, senador da Liga, essa configuração cria uma “anomalia” que justificaria clarificação legal.
Tentativas anteriores de legislar no mesmo sentido foram bloqueadas em legislaturas passadas. A atual proposta recupera essa agenda, mas procura enquadrá-la no processo orçamental, aumentando a probabilidade de debate e votação.
Implicações europeias e governança
O Banco Central Europeu confirmou ter sido consultado pelas autoridades italianas sobre o projeto e está a analisar o tema, refere a mesma fonte. Qualquer mudança que afete o estatuto das reservas exigirá compatibilidade com o quadro jurídico da União Europeia, em particular com as regras de independência dos bancos centrais.
Metade das reservas está armazenada nos Estados Unidos, o que introduz variáveis logísticas e diplomáticas na gestão dos ativos. A geografia do armazenamento reforça a necessidade de decisões estáveis e previsíveis no plano jurídico interno.
Posições da oposição
O Partido Democrático critica a proposta, considerando que reabre um dossiê antigo para desviar a atenção do custo de vida e de outras prioridades sociais. Para a oposição, a clareza legal não deve servir de pretexto para reconfigurar a relação entre o Estado e o banco central.
As críticas sublinham o risco de pressões políticas sobre um ativo que funciona como reserva estratégica e âncora de confiança. O equilíbrio entre soberania parlamentar e independência do banco central é apontado como elemento central do debate.
Próximos passos e impacto possível
A iniciativa deverá ser discutida no parlamento durante o processo orçamental. Caso avance, a formulação final terá de salvaguardar a conformidade com as regras europeias e a integridade do balanço do Banco de Itália.
O desfecho poderá influenciar futuras políticas de gestão de reservas e a relação com as instituições europeias. Até lá, a discussão sobre quem “detém” o ouro Itália continuará a cruzar argumentos de princípio, prudência financeira e enquadramento jurídico.
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