O caso recente de uma funcionária da Mercadona despedida em Espanha voltou a expor o debate sobre disciplina laboral, cumprimento das regras internas e os limites da confiança nas grandes empresas. A trabalhadora, com mais de três décadas de casa, foi dispensada após irregularidades detetadas no momento de cobrar compras, um episódio que acabaria analisado pelo Tribunal Superior de Justiça de Castilla-La Mancha.
Segundo o jornal digital espanhol Noticias Trabajo, a funcionária trabalhava na Mercadona desde janeiro de 1989 e foi apanhada, em maio de 2023, em três episódios distintos, a cobrar apenas 11,89, 16,24 e 45,05 euros, respetivamente, por carrinhos com valor real bastante superior, tendo sido então despedida.
As investigações internas revelaram que a prática se concretizou nestas três ocasiões, sempre com o mesmo cliente, vizinho da trabalhadora.
Investigação interna da Mercadona
Perante as suspeitas, a empresa abriu um processo de averiguação. Concluiu-se que a funcionária tinha plena consciência de que estava a violar as regras, configurando uma quebra grave da confiança necessária em funções de caixa.
A empresa aplicou o disposto no seu convénio coletivo, que prevê despedimento por justa causa em situações como fraude, abuso de confiança ou incumprimento das obrigações laborais estabelecidas pelo Estatuto dos Trabalhadores.
Contestaçāo em tribunal
A trabalhadora contestou o despedimento, alegando não ter tido oportunidade de defesa perante representantes sindicais e contestando a forma como o acordo coletivo foi aplicado. No entanto, o Tribunal Superior de Justiça rejeitou os argumentos apresentados e confirmou que a Mercadona atuou dentro dos limites legais. A decisão validou o despedimento e reforçou a política disciplinar da empresa.
Política de postura firme
A Mercadona, de acordo com o Noticias Trabajo, segue uma política de postura firme relativamente a práticas fraudulentas, sustentando que estes comportamentos comprometem a integridade e os valores da organização. O caso tornou-se um exemplo da postura firme da empresa perante qualquer desvio às normas internas.
E se acontecesse em Portugal?
Em Portugal, um caso idêntico teria enquadramento jurídico claro. O despedimento por justa causa está previsto no artigo 351.º do Código do Trabalho, que exige a verificação de um comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Situações como fraude nas cobranças, manipulação de preços ou práticas que afetem de forma séria a confiança do empregador são, em geral, enquadradas pela jurisprudência como condutas suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Além disso, o artigo 128.º define os deveres do trabalhador, incluindo a obrigação de cumprir as instruções do empregador, agir com lealdade, zelar pelos bens da empresa e respeitar as regras internas.
Uma violação dolosa e reiterada destes deveres, em particular do dever de lealdade, é frequentemente considerada pelos tribunais como fundamento bastante para justa causa.
Procedimento disciplinar
O procedimento disciplinar teria igualmente de seguir as regras estritas previstas nos artigos 353.º a 357.º, garantindo:
- comunicação escrita da intenção de despedir, acompanhada de nota de culpa;
- descrição circunstanciada dos factos imputados;
- direito de resposta do trabalhador, com acesso ao processo e possibilidade de indicar provas;
- envio de cópias da nota de culpa à comissão de trabalhadores e, sendo o trabalhador representante sindical, à respetiva associação sindical.
Qualquer falha formal relevante poderia invalidar o processo e levar à qualificação do despedimento como ilícito, mas, se os factos fossem comprovados, nomeadamente com registos internos, imagens de videovigilância obtidas nos termos da lei ou testemunhos, o despedimento poderia ser considerado legítimo pelos tribunais portugueses.
Leia também: Mulher não trabalha, recebe 1.600 euros de pensão e dedica-se a um hobby que poucos fariam
















