ADEUS ANDRÉ
No passado dia 12 de Fevereiro, André Jordan rumou à sua última morada no cemitério de Almancil, assim se cumprindo um desejo e uma decisão há muito tomada. A igreja de Nossa Senhora de Fátima encheu-se de familiares, amigos e antigos colaboradores. Era tempo de Carnaval, mas o sentimento que pairava pelo ar era sério e partilhado por todos, embalado na qualidade dos cânticos apropriados à ocasião. Foi um Homem extraordinário, com virtudes raras. Insiste-se em chamar-lhe o “pai do Turismo Português”, mas não é apropriada a designação.
O Turismo Português já existia há muito quando André cá chegou. Foi mais um revolucionário que criou um conceito novo no panorama da imobiliária turística em Portugal. Um visionário, um inovador, criador de sonhos e de paisagens. Um ambientalista precoce, adepto do desenvolvimento sustentável, que soube interpretar a simbiose do betão com a preservação da Natureza, onde e quando imperava o pato-bravismo que nada acrescentava para lá do recheio das carteiras dos chamados investidores, na sua maioria reles especuladores que demandavam o Algarve. A sua mais-valia era cultural, deixando um rasto feito de música e artes plásticas.
O clima ameno e o início da temporada competitiva trazem à Região a maioria dos melhores ciclistas do mundo, que mais à frente veremos a disputar as grandes Voltas
Era um verdadeiro príncipe do protocolo informal, um mestre no saber comunicar, um sol que irradiava simpatia, um homem que partilhava o mundo que trazia dentro de si com quem o rodeava, em conversas apetitosas, caldeadas de humor, optimismo e profundidade, jamais aborrecidas. Foi um embaixador honorário de Portugal em todos os lugares por onde passou. Não, pai não, chamem-lhe antes professor, um doutor a sério do Turismo Português, onde fez escola, e cujas orações de sapiência ficaram escritas nos empreendimentos inesquecíveis onde ficou a sua marca.
A Quinta do Lago foi o seu primeiro amor em Portugal, e um primeiro amor nunca se esquece, sobretudo quando é uma âncora de memórias bonitas. Adeus, André. Não sei se fazes falta depois de tamanho cumprimento de uma vida tão preenchida. Dizem que não há insubstituíveis. Mas lá que deixas uma imensa saudade, deixas.
VELÓDROMO ALGARVIO
Terminou na apoteose habitual a 50ª edição da Volta ao Algarve em Bicicleta. Na aldeia budista do Alto do Malhão, agora virada em templo ciclista, o belga Remco Evenepoel – um dos mais extraordinários atletas do pedal da actualidade – fez o tri de vencedor da competição, igualando o velhinho recorde de Belmiro Silva doutros tempos. No meio do melhor pelotão internacional da modalidade que transbordou por vezes das estradas algarvias, a Aviludo/Louletano/Concelho de Loulé conseguiu umas florinhas no Prémio da Montanha, foi a segunda equipa nacional melhor classificada e completou a prova sem desistências.
Parabéns aos corredores e ao técnico Américo Silva por ter cumprido satisfatoriamente no campo desportivo, face a tão categorizada concorrência. Mas mais do que o comentário exibicional e classificativo, importa extrair deste evento as reflexões que se exigem aos responsáveis políticos. A Volta ao Algarve conquistou um espaço único no calendário desportivo internacional.
O clima ameno e o início da temporada competitiva trazem à Região a maioria dos melhores ciclistas do mundo, que mais à frente veremos a disputar as grandes Voltas (Itália, França, Espanha), e aqui começam a ganhar lastro competitivo. A cobertura da Volta ao Algarve pela Eurosport é uma janela extraordinária de promoção turística que não tem preço de oportunidade, mesmo que custe o dinheiro que custa. O circo da Volta, com tudo o que ela comporta de atletas, dirigentes, técnicos, médicos, enfermeiros, massagistas, mecânicos, motoristas, demais acompanhantes, e até adeptos seguidores dos seus ídolos, como se viu na beira das estradas, tem seguramente um impacto económico relevante que a Universidade do Algarve deveria estudar, avaliar e quantificar.
É um grande evento que acontece em período de época baixa, o que combate o eterno problema da sazonalidade do Turismo algarvio. Leva animação do litoral às aldeias da serra, e mobiliza multidões como ficou mais uma vez provado. Vale não só o capital que nesta Volta se investe, mas muito mais, que o orçamento continua deficitário. Impõe-se um alerta aos autarcas e à Região de Turismo do Algarve: nunca por nunca deixem fugir esta pedra preciosa, é vossa a responsabilidade. Basta ver os milhares de praticantes amadores da modalidade que animam a rede viária com o colorido das suas camisolas, para se concluir que é uma prática que conquista cada vez mais homens e mulheres. Dá saúde e faz crescer. Já não é só um nicho de Loulé e de Tavira. É um pouco por toda a parte. Um desporto que une gente de todas as idades e condições sociais.
O ciclismo é um factor de coesão. Talvez se justificasse também dotar o Algarve de um recinto coberto, embora isso comportasse um investimento milionário, enquanto outras prioridades estão por fazer. Até lá, poderemos invejar os templos ciclistas de Quentin-en-Yvelines, Genebra, Aguas Calientes, Manchester, Yzu, Rio de Janeiro, Bankstown ou Pequim. Mas resta-nos a felicidade de ter ao pé de casa estradas e caminhos para redescobrir em paz um privilégio especial a que muitas vezes nem damos o valor: o velódromo algarvio ao ar livre.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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