Um Diário de Leituras – Treze Livros para Treze Meses, de Alberto Manguel, é o mais recente livro do autor cuja obra tem vindo a ser publicada pelas Edições Tinta-da-china. Esta edição, traduzida para português por Rita Almeida Simões, inclui um capítulo exclusivo (dedicado à literatura portuguesa, aqui representada por Viagens na Minha Terra) escrito pelo autor a partir de Lisboa: “Uma vez que, agora, o meu país é Portugal, acrescentei um capítulo correspondente à minha experiência de leitura em Setembro de 2021.” (p. 13)
Ao longo de um ano, a começar em Junho de 2002, Alberto Manguel regressa a 12 dos seus livros preferidos (mais um), cruzando ainda diversas cidades e tempos nessa sua viagem. Num registo diferente do que lhe é habitual, mais íntimo, diarístico, mês a mês, em notas soltas, o autor cria paralelismos inesperados entre a literatura e a vida. Há episódios em que o autor corre o risco de parecer efabular, quando escreve como encontra, a certa altura, uma passagem que ilustra algo que lhe aconteceu pouco antes.
Como “leitor ecléctico”, Manguel confessa a dificuldade de conseguir uma lista de livros que fosse equilibrada. Entre outros, figuram aqui evocações a partir da leitura de A Invenção de Morel (Adolfo Bioy Casares), Kim (Rudyard Kipling), Ressurgir (Margaret Atwood), Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis), etc. No entanto, ao falar de cada livro, são inevitáveis as constantes citações e associações a muitos outros livros, até porque tem o “hábito de pensar por citações” (p. 116).
Temos inclusive uma nota da tradutora na ficha técnica do livro que nos esclarece como: “Os textos citados pelo autor foram quase todos traduzidos directamente das suas línguas originais. Só em casos muito raros se trabalhou a partir das traduções feitas por Alberto Manguel. Assinalam-se em nota de rodapé as restantes excepções, com os devidos créditos.”
Ao leitor que teme encontrar sinopses de livros cuja leitura continua a adiar, desengane-se. Manguel afirma aliás: “Não gosto que me resumam livros. Prefiro que me tentem com um título, com uma cena, uma citação, sim, mas não com a história toda” (p. 38).
Aquilo que interessa ao autor deste testemunho, “algo entre um diário pessoal e um livro trivial com notas, reflexões, impressões de viagem, descrições de amigos e acontecimentos públicos e privados, tudo suscitado pelas minhas leituras” (p. 12), onde se inclui ainda uma certa propensão para listas, como por exemplo, a lista dos seus romances policiais predilectos. Ainda que este escritor que vive a vida como leitor faça uma análise pertinente de algumas passagens e aspectos, como acontece especialmente sobre o Dom Quixote, o seu intuito é sobretudo o de coligir sensações, impressões, divagações provocadas pela leitura. Diz-nos Manguel que toda a leitura é um acto de glosa, daí que os seus livros estejam profusamente sublinhados e anotados, mesmo que já nem se lembre porquê. Por isso, a sua releitura é ela mesma bastante livre: “É curioso como um leitor forma o seu próprio texto” (p. 34). Talvez por isso, ao regressar a um livro, o prazer de uma leitura virgem já não é totalmente possível, nem “recuperar parte da emoção ingénua de ler pela primeira vez” (p. 47). Ainda assim, os livros são um porto de abrigo para este leitor-escritor que viveu exilado, com a sua biblioteca enfiada num depósito, enquanto as vozes dos livros o chamavam. Por isso, regressar a estes livros, conforme os arruma e namora nas estantes, é também uma forma de reorganizar a sua vida, rememorando e organizando memórias, amigos, leituras, e a sua própria identidade.