Trabalho Digno, é o nome pomposo dado pelo governo às recentes alterações ao Código do Trabalho. Trata-se de um conjunto de mudanças retrógradas e pouco equilibradas que, em primeira análise, complicam e limitam a eficiência laboral nas empresas em geral e na actividade turística em particular.
Este diploma legal vem, no essencial, repor o valor das horas extraordinárias e alargar as compensações por despedimento nos contratos de trabalho, penalizando de forma discricionária e acrescida as actividades sazonais e de laboração contínua, como é o caso do turismo do Algarve.
O Estado pretende uma espécie de regresso ao período revolucionário, impondo às empresas modelos de gestão estatizantes
Os Parceiros Sociais e as Associações Empresariais do sector, sempre disponíveis para divulgar sucessos atrás de sucessos, não foram ouvidos nem achados neste processo, surgindo agora a derramar lágrimas de crocodilo, o que, convenhamos, não se compreende face aos anunciados melhores resultados turísticos de sempre.
Assim sendo, as propostas apresentadas pelo sector hoteleiro e turístico caíram mais uma vez em saco roto. A falta de ligação das Confederações Patronais às bases e, no caso do turismo, ao facto de muitos dos seus associados serem, cada vez mais, organismos públicos ou semipúblicos, dirigidos por individualidades afectas ao partido do poder, não só enfraquece as suas propostas como limita as suas posições reivindicativas.
Nestes termos, os protestos só podem ser considerados como algo para inglês ver e, por conseguinte, sem qualquer efeito prático, tanto mais que estas estruturas são subsidiadas/financiadas, directa e/ou indirectamente, pelo menos em parte, pelo erário público.
O diploma em questão, vem ainda reforçar o papel da arbitragem nos processos de negociação colectiva entre entidades empregadoras e sindicatos, acentuando ainda mais a intervenção do governo na economia, uma vez que esta figura já se encontrava contemplada na legislação anterior.
Impor aumentos salariais ao sector privado acima dos valores acordados para a função pública, atenta contra os princípios de uma economia de mercado e da livre negociação entre Entidades Empregadoras e Sindicatos. Trata-se de intervencionismo do Estado na economia, prática que esperávamos há muito abandonada.
Trata-se, na nossa perspectiva, de uma imposição do governo para obrigar as entidades empregadoras a aceitar decisões unilaterais de uma das partes negociais – uma cedência aos sindicatos mais à esquerda do espectro político.
O pacote de medidas previsto para o Trabalho Digno integra ainda, entre outros aspectos, o trabalho temporário, o combate ao falso trabalho independente e o recurso injustificado a trabalho não permanente, plataformas digitais, contratação colectiva e conciliação entre trabalho, vida pessoal e familiar, trabalho não declarado, proteção dos jovens trabalhadores-estudantes e estagiários, etc.
O Estado pretende uma espécie de regresso ao período revolucionário, impondo às empresas modelos de gestão estatizantes, substituindo-se aos sindicatos e/ou estando ao seu serviço, uma vez que estes se confrontam com uma falta de representatividade e capacidade mobilizadora e, portanto, sem poder negocial efectivo.
Outras medidas determinam que “nos contratos públicos superiores a 12 meses”, os contratos de trabalho devam passar a ser permanentes, para além de alargar o princípio do tratamento mais favorável às situações de teletrabalho e trabalho, através de plataformas, medidas que não levaram em consideração as realidades das actividades sazonais e de laboração contínua, como é o caso da economia do turismo.
Trata-se, em última análise, de concentrar no Estado o papel do quero posso e mando, deixando as empresas ao sabor das vontades e caprichos dos organismos oficiais que superintendem nestas áreas, designadamente da ACT – Autoridade das Condições do Trabalho que vê, deste modo, reforçadas as suas atribuições e competências, bem como o montante das coimas a aplicar por eventuais incumprimentos.
Entre as cerca de 70 medidas aprovadas, salienta-se ainda o projecto-piloto da semana de quatro dias, embora de base voluntária, o que vem lesar sobretudo as actividades de laboração contínua, deixando antever que, mais tarde ou mais cedo, essa passará a ser a regra e não a excepção.
Embora precedida de princípios que podemos considerar nobres – combater a Precariedade, valorizar os Jovens no mercado de trabalho, Promover melhor a conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar, e Dinamizar a negociação coletiva e a participação dos trabalhadores -, a verdade é que estas medidas reduzem a eficiência empresarial e, por essa via, a produtividade, uma das maiores fraquezas competitivas da economia portuguesa.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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